segunda-feira, 29 de março de 2010

Posse

É quando lhe assomam ímpetos assassinos ao surgir um nome na fala de alguém.

Aprendizados

Não consegui ainda aprender a conviver com outras mães num mesmo aniversário. A reunião de mais que cinco delas, sem contar a anfitriã, me deixa sem jeito. Se a timidez não me permite falar muito, algumas também não me inspiram grandes conversas. Talvez por eu nunca estar presente nas reuniões de pais e mestres, não ter inscrito meu filho no curso preparatório da primeira comunhão, vai me faltando assunto. Sorriso educado, mas parece que sempre um par de olhos vai me observar como quem não sabe quem sou eu e o que estou fazendo ali.

Melhor da festa foi fazer o caçula vencer o medo e entrar na piscina mesmo sem saber nadar. Uma saia leve, pelos joelhos, foi perfeita para ficar junto da água, que preocupada não descuidei no início desse menino enquanto se sentia inseguro. Fui me afastando aos poucos e aproveitei para curtir o sol, estendendo a saia entre as pernas para ela secar mais rápido. Longe das mães e próxima às crianças, creio que fiquei uma meia hora embaixo do sol. Tão bom, fazer nada assim.

Momento de me aproximar, para ninguém pensar que sou bicho do mato. Falo mais com a dona da casa, com a mãe de uma coleguinha do meu filho mais velho, simpática e agradável. Mas eis que aparece uma esquisita por lá, a falar baixo, a puxar a outra como a contar segredos, ui, isso me dá impaciência! E só tinha guaraná, que era festa de criança, nada mais justo (mas se tivesse um pai na área, garanto que tinha saído uma cerveja, tenho certeza).

Após quase seis horas de comemorações, fomos pra casa, curtindo a leveza de encontrar, quase no final da festa, uma amiga querida. Dessas mães que também se sentem isoladas no meio das muito certinhas e envolvidas em seu próprio grupo de conhecidas. Escuto-a dizer que se soubesse da minha presença teria ficado. Mas como cheguei tarde (mais de uma hora de atraso), ela terminou indo embora, deixando o filho curtindo a festa.

Criança tem de ser criança, dizia. De brincar e ainda cantar com quem será no finalzinho do parabéns. De ficar feliz com sacolinha e ovo de páscoa, de curtir os brigadeiros, os refris e o dia inteiro de piscina entre os amigos. Olhando assim, mesmo deslocada em alguns momentos, pude sentir uma alegria por ter partilhado com eles, por ter vencido o que seria preguiça ou cansaço, para apenas me permitir ser mãe nesse domingo. Uma mãe feliz.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Passionnément

Recebo hoje o email de uma amiga. Ela declara, em uma alegre e despretensiosa constatação: preciso me apaixonar novamente.
Eita que dia desses estava pensando a mesma coisa. E como tem dia que a gente pensa nisso, né?
Pensa num abraço.
Pensa num corpo amigo e companheiro.
Pensa naquele dia em que aquele amor começou.

Sábado, em casa com meus filhos, bateu essa vontade. E fiquei tão feliz por ter essas crianças, sabendo que nunca, nunca, esse amor vai acabar.
E mesmo assim sabendo, que sou sabida, que ninguém, nem filho, pode substituir a necessidade que sentimos de nos apaixonar de novo.
Porque, assim como nós, eles também vão crescer, vão se apaixonar, vão viver histórias, perto ou longe, e não nos é dado o direito de impedir, até porque seria horrível.
Respondi à minha amiga, com toda a certeza do mundo: não há nada mais libertador do que ser capaz de amar. Do que se apaixonar querendo muito ser feliz, mas sem medo de quebrar a cara, porque essa a gente remenda, mas e a alma quando se apaga?
Numa das vezes me descobri apaixonada antes da festa de aniversário do meu filho mais velho. Ah, fazia tanto tempo, ou pouco, sei lá contar isso. Constatei que estava apaixonada enquanto enrolava brigadeiros! E assim que fiz a maravilhosa descoberta, passei uma mensagem para uma amiga de sempre: acho que me apaixonei. e ser capaz de sentir me libertou.
Pois é. A vida liberta.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Tempo de luto

Deveria chorar sobre o corpo, mas havia gente demais ao seu redor. Perguntas e excesso de palavras, semelhantes a um enxame de pequenos mosquitos que incomodassem seu rosto, fazendo-a piscar repetidamente. Suspirou. Olhou novamente, acomodando suas mãos ao rosto dele, separando as flores, um último afago em seus cabelos.

Saiu da sala, deixando-o com sua família, amigos. Subiu as escadas sem tropeçar em nenhum degrau, tamanha a força com a qual segurava o corrimão. Num piscar de olhos lembrou da luz atravessando o vitral amarelo e a manhã sorridente em que fora ao seu encontro voando por ali, parando apenas nos seus braços. Um soluço. Não teria naquela casa um filho para lembrar-lhe dele. Remexeu-se agoniada, como a expulsar o sonho de si. Não queria pensar nisso agora. Devia refazer a vida, mudar-se da casa. Esquecer a dor. Não senti-la hoje. Não pensar nela amanhã. Mais tarde, mais forte, decidiria o que fazer.

Três anos após aquela tarde ainda não conseguira vencer o entorpecimento de tê-lo perdido. Acordava à noite procurando o seu braço. Negava a qualquer outro esse aconchego. Andando na sala olhou o vitral. A intensidade do amarelo provocava, agora, tontura. Foi quando uma pedra rompeu o vidro, despedaçando-o. Uma lasca quase atingiu seu rosto e a fez gritar de susto. O sol agora entrava sem filtros, invadindo de luz a sala. Espantada, tentou recolher os cacos, antes procurando ver quem havia atirado a pedra. Foi até a porta, saiu para o jardim, não havia ninguém.

Ficara encantada por aquela casa, o jardim e, sobretudo, pelo vitral antigo. Caiu em prantos. Relembrou detalhes de sua vida com Afonso e no quanto haviam sido felizes. As manhãs com café, as ligações durante o dia, chegada a noite, falar do trabalho e fazer planos. Chorou como uma criança, abraçada aos joelhos, balançando para frente e para trás. Não percebeu a manhã se esvaindo, os vidros espalhados. Só dizia: meu amor, meu amor.

Já escuro sentiu o coração vazio. Três anos e só hoje conseguira chorar a morte dele. Afonso, o que lhe arrancava gargalhadas inesperadas com frases que a desarmavam. Decidiu ter dele essas lembranças queridas e deixá-lo partir. Ficou quieta observando o próprio coração. Um bem-vindo cansaço a refrescava, como o vento frio que entrava por entre os vidros quebrados. Seu luto durara três anos de emoções represadas. E o corpo se ressentia dessa dureza de alma.

Não podia fazer voltar o tempo. Poderia viver de novo. Cuidadosamente, para não se cortar, tirou os restos do vitral. Comprou uma janela e deixou o sol entrar.

A vontade e a lâmina de barbear

A vontade era ficar à vontade na sua vontade de se barbear. Como se a barba, que ele achava atraente, fosse o símbolo de um momento que ele não queria ter. Como se assumir-se assim, com barba, fosse fazê-lo cativo da necessidade de estar. Então, estar com barba significava preocupação em mostrar-se do modo como mais gostava. Quanto mais fácil era conservar o símbolo, mais reticente ficava em mantê-lo. Não seria, se não o tivesse? Pois então o arrancaria dali.
O barulho da lâmina na pele, a forma como o rosto aparecia, o mecânico movimento de deslizá-la em si mesmo o fortalecia. No instante de distração, um pequeno corte e o vermelho próximo à boca. Cuidado no revelar da pele pálida, no gesto de limpar o sangue e bater com a lâmina na pia. Acabou-se. À vontade esperaria agora o símbolo de si mesmo crescer.

As voltas que a vida dá

ou, eu hoje estou feliz!

Pequenas felicidades surgem quando a gente destrava o botão do foda-se e resolve olhar a vida e o cotidiano (e a gente também) com um pouco mais de leveza. E esse olhar aí vai embora pra junto daqueles que convivem conosco: o amigo, o desafeto, o fornecedor que encrencou, o trabalho que nem sempre dá o prazer que gostaríamos.

Delícia saber que somos muitos, qualidade intrínseca da pós-modernidade. Não que eu acredite que sou fragmentada. Não tenho a estética do videoclipe, não faço mais de mil coisas ao mesmo tempo apenas no nível da superfície. Me envolvo, sofro, me alegro, travo, destravo, danço, amo, esqueço. Sou tantas, tão mãe, tão professora, tão afeita a maus humores dependendo do cansaço. Mas tão plena, tão doce, tão improvável, quando conquisto e festejo, quando almejo, sonho, relembro, provo.

De olhos sou fã. De braços. De conversas sem tempo para terminar. De longas caminhadas solitárias e produtivas, por tudo o que repasso, relembro, conduzo. São longas histórias que surgem, ideias, decisões. Nem sinto os pés, nem as mãos, nem meu corpo. Não vejo os transeuntes (nome feio que inventaram para esses seres que passam por perto, tão caminhantes e divagantes quanto eu), mas sinto o perfume do mar, esse calor que não dá sossego, o chão sob os pés.

Em todas as fases, a reinvenção é o mote. Aproveitando a deixa de um texto antigo, recrio a frase "vou abandonar aquilo que já me deixou". Não é um cântico de desamor ou de uma saudade dolorida, por alguém ou algo que simplesmente não deu certo. É só a percepção do apego a coisas impraticáveis, a desejos inconcebíveis, a fluxos que não nos cabem mais. Aquilo que já me deixou é o que não cabe mais agora. Nesse instante. No exato minuto em que a gente aprende a dar adeus.

A felicidade que nasce, o arranjo que nem parece, a escuridão que se forma e se mostra assim, agradável porque sem medo e sem vergonha, é mais um passo. Nenhum mais, nenhum menos, só um. Pra ele, esse passo, me entrego. E mudo, e canto, e encerro. Nenhum rancor, nenhuma dor, só leveza, porque dela preciso para os meus dias, assim como de doses pequeninas de angústia, fome, incongruência. Necessidade é de transgredir e transformar. De ser. E ser isso, totalmente fiel à mim.

Carlota
17032010

domingo, 7 de março de 2010

Certeza

Sábado me arrumava para ir à casa de uma amiga. Pronta, de frente ao espelho, ainda com o corretivo na mão, recebo um telefonema de uma colega de trabalho. Ela me diz: infelizmente eu não tenho boas notícias. Meu Deus, foi com ele? Não, com a mulher. Faleceu e o enterro será hoje, no Parque das Flores. Eu entendo se você não for, afinal tem os meninos. Eu disse que iria. O pai, coincidentemente, veio visitá-los. Liguei pra minha amiga, disse precisar ir a um enterro, portanto estava suspensa a nossa farra doméstica.

O engraçado é ter saído de casa, em Olinda, de ônibus, com a certeza absoluta de que o cemitério era na Várzea. Talvez porque o bairro me pareça bucólico e as flores me indicassem esse caminho. Não era. Cheguei ao lugar errado e liguei para a colega que tinha me avisado. Ela me ensinou como chegar, peguei um táxi e corri para lá. Mesmo naquela tristeza, os amigos reunidos conseguiram perguntar sobre a minha desorientação. Mas não foi. Se eu soubesse ser o lugar tão longe, não teria ido. O erro nesse caso foi providencial.

Ao chegar me deparo com o caos emocional do meu querido que perdera a esposa, a companheira, mãe de três filhos seus. Devastado, com os olhos perdidos. Senti uma dor tão grande e uma vontade de me aninhar em seus braços, ele que parece um urso de pelúcia e sempre me trouxe uma palavra de afeto. Como é bom ver você aqui, é sempre bom ver você. E eu apenas repetia: meu querido, meu querido.

Pensava: merda! Contaram-me que ele também está doente. E a sua dor me comove, incomoda. A de sua perda, a dos seus filhos, a de ver, de novo, fecharem à chave um caixão. Ainda sofro. Essa velha conhecida, que de tão ameaçadora nos faz esquecê-la, é para mim uma certeza amarga. Provoca nos que ficam o sofrimento pelos que se foram. Como dar adeus a quem nos acompanhou por mais tempo do que a idade que tínhamos antes de nos conhecer? Como dizer adeus e ficar, sabendo-se sozinho?

Nesses momentos sinto as palavras e as vejo insuficientes. Nada consigo falar. Não me acho capaz de aliviar a dor por meio delas. Fico ao lado, procuro abraços e mãos. Meu querido, meu querido, estou aqui.

|22072009|

sexta-feira, 5 de março de 2010

Pequenas coisas

Sou de pequenas coisas.
Livros de bolso.
Bilhetes.
Suaves beijos.
Estes me aquecem.
Sou de rompantes,
quando eles irrompem
e me travam e deixam cega.
Sou de vontade de ficar
mesmo quando vou.
Ou, porque vou
querendo ouvir: fica

quinta-feira, 4 de março de 2010

Aberta

Um vulto e eu fiquei feliz. Como se contasse aquele abrir de porta, de surpresa. A alma deu o pulo que o corpo queria mostrar e não pode.
Estranha alegria festejar o pequeno gesto. Como se de afeto fosse demonstração.
Abri a porta e ele tinha ido. Já esperava por isso. Preferia as mãos que ligeiras se afastariam. Mas era fim, de noite.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Domingo

Um final de domingo perfeito, pelo bem-estar e pelo estar comigo.



Estava lendo Para viver um grande amor, de Vinicius de Moraes, uma crônica gostosinha, na qual ele torce as palavras, criando jogos e invertendo os sentidos. Me deparei com a frase “mais vale um mamão na mão do que uma mão no pé. Não é”? Comecei a rir devagarinho, sorrisinho leve de quem não quer ter muito trabalho nesse quase final de domingo. Digo quase porque quinzenalmente estou sozinha em casa no fim de semana (quando nela fico) e posso dar uma esticada na hora de dormir.
A gente esquece, às vezes, o prazer que é curtir ficar só, sem papo, com música, livros, tv, rádio, pia com pratos que podemos lavar depois, banheiro para demorar horas, copos ou taças de bebidas preferidas. Da mesma forma que família é um lance bom, acolhedor, amoroso (a minha, pelo menos), encontrar minha alma e perguntar-lhe como vai é quase perfume, quase o jasmim que sinto de minha janela e esse vento bom que chega mansinho e me diz que o domingo quase acaba, mas ainda está.
Engraçado ficar horas com um mundo de gente, trabalhando sem parar, ouvindo música para não sentir cansaço e de repente bate essa vontade de apenas estar, de voltar e curtir a casa, a cama, o quarto, a sala, descalça, chão frio, olho de quem ainda está sem sono.
Ainda atordoada com o fato de que estou abrindo uma loja, estou em final de semestre, estou sem tempo de dançar (saudade do flamenco, de uma boate sem fumaça, de deixar o corpo entregue até madrugada), sem tempo, sem, sem, sem. E ainda assim, sem medo.
Hoje foi um bom dia. Fique o registro. Um dia bom, de trabalho com prazer. De alegria. Não dá muito para explicar o que é, mas ter pessoas queridas torcendo a favor é ótimo. Assim como ter uma parceria rendendo muito, até irritação – perdi o prumo esta semana, admito. Mas é isso, estamos nos afinando, preparando a inauguração. Contando os dias para a Entrelinhas abrir suas portas e a gente festejar mais um passo com nossos amigos. Vocês.

Início

Só vontade de reunir os textos, escrever mais vezes, ter prazer com isso.

Não se pode ter tudo

Ou a vida é feita de escolhas


A afirmação poderia ser definida como uma crença limitante. Uma amiga minha acredita, piamente, que no dia no qual alcançar o sucesso vai morrer. Pois é. Limitante. Quem iria querer a fama em uma situação dessas? Deus me livre!
É a culpa cristã nos ameaçando. Não podemos ser felizes, não podemos sonhar, não podemos ter tudo. E se a alegria me invade em um dia de sol, temo pelos dias de chuva que virão. Sim, às vezes estou tão bobamente satisfeita com o que sou e o que tenho, com as surpresas e transgressões, que páro repentinamente e reflito: isso com certeza não vai durar. Pois é. Feliz, alegre, satisfeita e vem uma nuvenzinha me dizer que eu não deveria estar assim, afinal não se pode ter tudo.
Retruco. Sim, é verdade. Mas nem por isso vou deixar de viver esse sentimento. Nem por isso vou abrandar minha ira ou minha capacidade de retomar. Fazemos escolhas todos os dias. Salada ou brigadeiro, casa de praia ou de campo, táxi ou ônibus, amigas ou namorado, balada ou pizza gelada, solidão, multidão. Li inúmeros artigos abordando a angústia de ter que optar por uma coisa e não poder ter a outra. E se alguém escolhe pela gente? Quanta dor.
A chave talvez não seja ter tudo. E, sim, ser tudo o que se quer ou se pode ser. Deixar fluir a alegria, a tristeza, vitórias ou decepções. Cada uma tem seu tempo. E tem também o tempo de ir. Quem sabe, cultivar canteiros inteiros de afetos ou minúsculas onze-horas. Quem sabe, aprender algo novo ou aprender com o que temos de mais antigo em nós. Esse corpo que envelhece, esse rosto que se transforma, a vida que não espera pela gente.
Não posso dizer que optei por ficar sozinha. Ainda olho vorazmente para casais de mãos dadas, aqueles bem velhinhos, carregando a própria história nesse caminhar a dois. Se observo um álbum com fotos de uma família feliz, quase me contorço de inveja. Esqueço, por momentos, que ninguém faz instantâneos da tristeza, das dores, dos problemas. Só há registros de bons momentos.
Aprendi a conviver comigo. A provocar. A me habituar à angústia, companheira desse viver da gente, não me rendendo a ela, mas aceitando-a como uma parte. Como é parte da minha vida a crença que somos seres em construção, inacabados, imperfeitos, errantes, errados, humanos. Deixemos de lado as limitações. A vida é tão curta. Quase não dá tempo de falar eu te amo. Apenas crianças falam a frase sem reservas, sem pudores, sem desculpas. Porque desacreditamos desse sentimento, como se apenas pudesse ser algo de pais e filhos, de namorados ou companheiros. O amor transgride, permanece, festeja. Se o tenho em mim, então amo cada dia porque nele eu estou.