domingo, 29 de março de 2015

Fadas


















De morar em casas e ter árvores.
Uma mulher olha o jardim.
E, pronta, sempre enxerga belezas.
Até as escondidas.

terça-feira, 24 de março de 2015

Para Alice

Uma menina ensolarada e diva inspirou a crônica de hoje. E trouxe de volta um baú de coisas que trago comigo. Aquelas sobre as quais falei durante cinco anos na terapia. A necessidade de ser aceita, me sentir igual, fazer parte do grupo ou passar despercebida. A lacuna fez parte de minha adolescência. Porque fiquei muito magrinha, porque adorava ler, porque ficava em casa curtindo esse mundo fantástico e terminou que de menina sapeca, comunicativa e abraçante, fui para a sensação de desencaixe e uma timidez intensa.

Era ela que me impedia, por exemplo, de dar boa noite àquele grupo reunido na frente da casa da vizinha (não, não era falta de educação, Dona Creusa era primorosa neste sentido). Era ela, também, que me fazia observar as pessoas com extrema atenção, percebendo nuances e vibrações – legais ou não. E que me deixou desconfiada por muito tempo. Medo de gente, sabe? Medo do que as pessoas poderiam dizer. Porque uma frase inesperada podia gerar aquela dorzinha incômoda, um ranço na alma, um jeito cinzento de olhar o dia. Ou tirar minha alegria.

E se a timidez foi embora, o processo de autoconhecimento foi longo.  Envolveu olhar pra esse baú um sem número de vezes e sair descartando a opinião alheia e tão formada sobre minha pessoa, mesmo que não me conhecessem tão bem. Envolveu ainda eu perceber que criar rótulos para mim ou para outro tem dois gumes: se encaixa, também limita. Nem tudo precisa ser um universo conhecido. Nem tudo tem explicação.

Vai daí vez por outra ainda estranho – e procuro controlar a sensação ao reconhecê-la – a quantidade de gente curtindo estar ao meu lado. Pessoas recém-chegadas me trazendo brindes inesperados. Nessa de deixar rolar afeto e ter abraços quentes e muita conversa. Alegria com café, bolo, vinho ou cerveja. Encaixe. Mesmo que nem sempre de ideias.

Então me espalho em amorosidades, em dengos derretidos, em noites que se tornam manhãs. Vou entregando alguns sorrisos, conto pequenas histórias, falo de comida e sonhos. Escuto. Entendo. Discordo. Ou dou um mergulho no mar sem medo da noite fria. Porque os que chegam perto trazem o coração desarmado e não tem vontade de ferir.

Sim, Alice, palavras doem muito. E como todo mundo às vezes fala besteira, sem nem notar ou porque não consegue ter palavras boas, a gente segue tentando aprender a espalhar amor e alegria, fazendo deles um escudo legal para o coração. De verdade, a gente não precisa se encaixar. A gente é que molda a vida ao nosso redor.

Com muitas lindezas, cachinhos e batom vermelho pra você

Carlota

24032015

segunda-feira, 23 de março de 2015

Sobre ontem




Há um ano, mais ou menos, vi no instagram a foto de Mariana Freitas. Ela casou direitinho com um haicai antigo, feito há mais tempo ainda para alguém por quem fui completamente apaixonada. A paixão foi se esfarelando ao longo dos anos, tal qual o buraco nessa parede, que aumentou gradativamente. Mas foi uma das mais gratas experiências que vivi, sem arrependimento. Feliz.

Carlota
23032015

terça-feira, 17 de março de 2015

Alegria, alegria

Você sai de casa completamente sonada, vestido florido e esperança de uma noite leve. Cabelo curto, molhado, sandália, ônibus, desce e na caminhada sente cheiro de mar. Entra lá no restaurante, corre os olhos, vê gente tirando fotos em uma mesa grande, se volta para a escada e, na subida, escuta a sonora gargalhada de um menino encantado.  E conhece gente nova e revê amigos. E se sente desperta e se anima e se põe a conversar.

E nessas ocasiões nas quais todos falam e todos escutam, porque habilitados estão na alma a escutar o outro e largar o próprio umbigo, vai se percebendo um agrupamento de ideias em torno de um roteiro fantástico. E haja brinde pra expandir essa alegria. A minha se espalhava devagarinho, bem dengosa, pedindo ainda abraço e beijo. Da cadeira onde estava, olhava com tanto desejo de encaixe que levantei e mudei de lugar. E me imprensei entre aqueles dois. Feliz. Podia, estendendo o braço à direita ou à esquerda, apertar os corpos, tocar no rosto, dar xêro e beijo estalado.

Conta encerrada, praia. Foi só atravessar a rua, comprar três cervejas, conferir o malboro, tirar as sandálias. E aquele barulhinho e a maresia deixando a noite mais linda. Três pessoas destemidas resolvendo dar um mergulho no mar de Casa Caiada.  Olhei e deu uma vontade, mas uma vontade tão grande... Fui. Antes de entrar de vestido e tudo, fiz o sinal da cruz com a água do mar, sincretismo pra pedir licença à minha mãe Iemanjá e penetrar em seus domínios, ainda mais àquela hora.

Alegria de se ver naquele mar inteiro e se sentir bem com os que estavam perto. E ter cumplicidade de rir e flutuar na água e falar besteira ou ficar quieta olhando o céu. As mazelas todas indo embora, a certeza de que o mar lava a alma e a rainha abençoa as decisões. Liberdade ver cada um curtindo do seu jeito, a coisa mais simples do mundo e tão próxima: um mergulho noturno no mar. Pra sentir a água morna, o vestido enroscar nas pernas, pra pisar na areia e arranhar os pés em conchas quebradas. E depois da dança que espantou o frio de sair do mar, do cigarro e dos abraços, beijos e despedidas, a felicidade clareou o caminho todo pra casa.

E aquelas duas horas nas quais fiquei livre e me permiti mergulhar na alegria e só sentir essa moça juntinho de mim, reverberaram para a observação do meu filho no domingo à noite. Ele, que convidou um amigo pra passar a tarde em casa e ficou jogando e curtindo a conversa; ele, que foi tomar um milkshake de chocolate e morango com o irmão e o amigo em uma sorveteria da orla, enquanto eu subia a Sé de Olinda com minha filha, comentou em um de seus inúmeros momentos de sabedoria: “é tão bom a gente ficar assim com os amigos e poder fazer o que quiser, né?! Dá uma sensação de liberdade tão grande, mainha”. Tu ficou alegre, nêgo?, perguntei. “Muito” e me deu um abraço desses de enroscar as pernas nas minhas. Um jeito de dividir a alegria, sabendo que eu também estava feliz. E estou.

Para Bruno Souza, menino do riso encantado, com muita alegria por ter você aqui

Carlota

17032015 

quinta-feira, 12 de março de 2015

Adeus e signo chinês

Eu ia caminhando pela rua com o sapato apertado e me perguntando por que danado eu tinha posto um salto daquele tamanho e na verdade nem era grande porque de verdade ele tem uns três centímetros, mas para andar mais de um quilômetro era alto demais nessas calçadas de cimento irregulares ou de faltosas pedras portuguesas.

Eu ia caminhando naquele sol quente e completamente lascada e com o coração apertado e uma ansiedade e uma boca seca que não era só do calor. Porque na mente uma pergunta se fazia o tempo todo e o corpo era contrição, era falta de espaço, era algo que caminhava à toa e com medo de ser assaltado porque de verdade não estava nem naquela rua, nem naquele dia. Porque voltava e ia. Porque me obrigava a ver além do presente momento, a deixar para trás um passado bem grande e aquele exato instante em que tudo ia ser uma merda, no qual levei um soco e era melhor deixar pra lá e não lembrar mais do que havia sido há tanto tempo atrás.

Porque a pergunta que se apertava em meu juízo era uma só. E pensando bem e por tudo o que já vivi nem era mais pergunta. Era uma declaração. “Fico pensando o tempo inteiro que não há coisa mais difícil no mundo do que dar adeus”. Então, não era declaração não. Era um outdoor estampado em letras garrafais, fonte helvetica bold condensada, entreletra -20, em preto sobre fundo amarelo para garantir a visibilidade. E garantir também a perpétua existência desse jeito estranho que eu tenho de me defender e de definir o momento do adeus.

Vai ser agora, enquanto continuo inteira. Vai ser agora, enquanto ainda durmo. Vai ser amanhã ou depois, nem sei, mas vai ser. Vai ser um dia em que eu lhe veja e converse e tome café e você não faça viagens para Constantinopla-Istambul. Vai ser quando eu esquecer daquele pingente ondulado que você traz no pescoço. Vai ser para esquecer o pingente que você traz. Vai ser para esquecer.

A coisa mais difícil do mundo é dar adeus. E eu juro, queria agora não. Queria conviver mais uns dois anos no mínimo. Queria ver você crescer e eu queria ir junto. Queria mapear todos os sorrisos de menino, me inspirar nesse cabelo grisalho, nesse jeito de dançar que me arrebatou milhares de vezes e mais umas cinco. Coisa difícil essa dar adeus a algo tão bom. Dar adeus a um cheiro, um jeito, uma forma de se expressar. Dar adeus a uma pessoa inteira, do mesmo signo chinês e ocidental. Muita parecença para quem quer ficar distante. Muita avidez e voragem e jeito de ver o mundo e vontades e encostamentos.

E quando durmo eu sonho com você. Com essa despedida que não rolou. Com essa última frase que não disse por ser impossível lhe ver. Não houve tempo. Porque lhe disse tanto e busquei tanto que no fim esse calor e o corpo encolhido e a mente turva e a sensação de não estar naquela rua e o sapato apertado e a freada brusca e o palavrão que eu disse e a exata sensação de que naquele dia foi o adeus e a gente nem sabia e a gente tão educado só se fala amenamente e não houve mais cafés, jacks nem uma dança pra lembrar desse encaixe de braços e ritmo que só quem nasce sob os mesmos signos pode ter.

Então que a coisa mais difícil do mundo é dar adeus. E crescer.

Carlota

12032015

quarta-feira, 4 de março de 2015

Conversa com o espelho

Não sei se é uma vibração que emano ou se o universo conspira. Mas, milagrosa e felizmente, tenho amigos incríveis. Desses que compreendem sua necessidade de exílio ou de dançar freneticamente até ficar extremamente cansada. Desses que acolhem em noites calorentas e refrescadas com cerveja, suco ou água. Desses que, de repente, dizem verdades sem a pretensão que elas assim sejam.

Pois Mariana Freitas, essa gata inspiradora de textos e abraços, foi indicando caminhos ao longo de nossa convivência. Um dos presentes maravilhosos de outra moça linda. Essa, Gabriela Valadares, já foi aluna, já foi amiga. Hoje está entranhada na alma, com aquele desejo imenso de gratidão e felicidade. É afeto e parte. É algo que sou.

Mari, moça esperta, além de me apresentar a cafés e bares olindenses, que eu em nove anos na cidade não havia tido coragem de frequentar, se revela uma observadora do gênero humano. E de nossas manias, carências, alegrias. Ontem, lá na Mamede, essa rua simbólica de encontro e boemia, me falou sobre conversas com o espelho. Um lance de se olhar e, realmente, se ver. E como ando em uma fase de escolhas e de adeus, adeus até a modos de pensar e agir, resolvi seguir aquele lance comentado tão sem pretensão, mas carregadinho de sabedoria. Porque se olhar no espelho e se enxergar, não rosto, corpo, roupa, riso; mas alma e olho aberto pra o encontro, pode ser revelador.

É se ver e conversar e dizer bom dia pra moça que hoje olha meio enviesado mas que precisa, nesse bate papo, saber mais de si mesma. E contar pra si que é amada, tem dúvidas, às vezes quer tentar outras histórias. Hoje, quarta, dia de casa e almoço em casa e vinho e música, resolvi antes do banho e da ergométrica colocar essa conversa na agenda.

Daí que, no espelho, consegui verbalizar amor. Consegui falar das dúvidas. Consegui enxergar claramente todas as características da avó linda que tive desenhadas em meu rosto. E, pensando, ainda tenho, pois que está no coração, na barriguinha travesseiro, na poesia, no desejo de ser melhor, na forma como cozinho e deliro com os elogios dos meninos.

Consegui, no espelho, falar do que preciso. Olha, Carla Patrícia, eu quero isso. Eu preciso. Esse é, realmente, o meu desejo. E, presta atenção agora, eu gosto muito, muito de tu, visse? E te acho foda às vezes. Acho que você até que está educando seus filhos de um jeito legal. Acho que tem horas que tem muita luz e gente boa ajudando. Acho que você pode ser grata até a aquilo que não deu certo. Acho, inclusive, que fazer escolhas e dar adeus pode ser um passo infinitamente doloroso. Mas necessário. E nesse percurso estranho porque próprio e só seu, dona Carla, bora ter coragem, visse? 

Bora se inventar de novo e aprender e perceber nuances. Bora dar adeus aos padrões de pensamentos, atitudes, tristezas. Bora achar incrível viver e saber tanto de si mesma. Bora ser feliz com essas criaturas amorosas que, tenho certeza, não por acaso estão ao seu lado. Então que a manhã de quarta foi isso: aprendizado, escuta, entrega, claridade. Mesmo hoje o dia sendo nublado. Porque o espelho foi alma refletida para muitos e imensos bons desejos.

Carlota

04032015