segunda-feira, 23 de abril de 2012

Beleza

Eu sempre amarei a beleza. A linha do horizonte. O mar com nuvens pairando logo acima dele à noite. Eu sempre vou amar pessoas que amam a felicidade. Que se alegram. A música.

Eu sempre vou amar quem me encontre em uma tarde cálida e me fale verdades e mentiras. Eu sempre vou amar o barulho do mar. E cada abraço de cada um dos filhos amigos você.

Eu sempre vou odiar mesmice. Sempre odiarei um dia atrás do outro sem noites legais no meio. Vou odiar quem pensa que o começo pode ser mais tarde. Vou odiar meu tempo perdido.

Guardarei meu rancor mais profundo para os que tiram a vitalidade dos outros. Para quem se ofende após ter ofendido. Para quem torce a história e se faz de vítima. Vou odiar mortalmente minhas noites insones.

No amor, entrego: odeio cartas melosas, odeio silêncios abismais, separações. No ódio, amo a vibração que a ira provoca. Amo a intensidade com a qual a raiva nos torna humanos, a velocidade com que o desespero é dissipado para que o olhar dizime a pessoa com a qual travamos a batalha.

No amor, no ódio, sou cada um. Em cada face que cada um revela.

Carlota
23042012

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Um começo de história

A menina anda e esbarra em um começo que de brincadeira estava por ali, assim, de bobeira. Achou bonita, a menina. Quis conversar. Mas ela, que não dava mole para inícios toscos, apressou o passo e foi.

Nem percebeu o princípio de sorriso que o começo esboçava. Nem notou, quando almoçava, que o mundo parecia outro. Era só o começo que chegava. Na pressa, não viu folhas de árvores ou abraços. Corria. Temia o fim do dia.

O começo insistia. Fazia cócegas, cantava músicas, dedicava olhares... Fazia com que percebesse o som da caminhada. De repente, não estava mais cansada. E diferente se sentia. Já era um começo, pensava ele. E a provocava.

A angústia das luzes vespertinas se transformou em uma espécie de alegria. Soltou espirros, tossiu, engasgou. Os olhos se encheram de lágrimas e teve de parar e ouvir o que o começo lhe dizia. Rendida, pois nem respirava. Era o fim. Não. Começo. Não, é fim. Não resisto. Aflito, o começo lhe dá uma trégua. E ela, sabida, corre o que pode e o deixa para trás. 

Desconsolado, o começo olha para o lado. O meio e o fim, não satisfeitos, zombam do pobrezinho. Dia seguinte vem de novo a menina. Vestida de flores na blusa, com passos lentos, olha o começo, deseja bom dia. O meio então se levanta. Obrigado, amigo, agora é comigo. No que ela reage horrorizada. "É só o começo. Mais nada".

Carlota
15042012 

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Coisinhas

Sou apegada a coisas miúdas. Rascunhos, brincos, gestos uns. Pequenos objetos, como o vasinho de porcelana florido que o vento fez cair do terraço. O cheiro de giz de cera. Seixos coloridos.

Parecem eles mais abertos a serem amados. Os traços com bico de pena, aquele terço embaraçado. Eu amo coisinhas.

Como a cachorrinha lá de casa, divertida companhia que me roubou das manhãs os passarinhos. Quem ousaria entrar na sala agora a buscar farelos, se há entre nós uma caçadora? As manhãs, quando invadiam suavemente o debaixo da mesa em voos rasos, eram mais frescas.

Também me encanto com rostos desarmados, olhares escuros, sorrisos, alguns chuviscos. Lembram espaços a ocupar, memórias, marcadores de páginas. Pedem presença, inspiram afeto.

Uma contradição olhar todas as folhas miúdas do flamboyant. Mas é que o vento sugere a leveza que elas tem. E, nessa dancinha, o que é estático ganha movimento. Minha árvore vibra em raiz.

Do céu, a nuvem. Da praia, o grão. E, surgindo um besourinho, corre o menino e o prende na mão.

Carlota
040412