domingo, 14 de dezembro de 2014

Portas

Naquele tempo todas as portas estavam fechadas.
Abri-as devagar. Uma ou outra. Poucas.
Não vislumbrei mudanças.
Não percebi nenhuma diferença sobre o que era ou o que estava.
Sobre o que mostrava ou escondia.
Alegria para dividir com amigos.
Tristeza para chorar de leve.
Desejo para morrer com o tempo.
Lembranças para doer de novo.
Olho as frestas de novas portas.
Trancadas, abertas, não sei quais as certas.
Perdi as chaves.

(lembrança de um tempo distante, quase dez anos)

domingo, 7 de dezembro de 2014

Portas, chaves e algo mais

Fiz roteiros mentais ontem ainda na vontade de descrever momentos distintos que vivi em 2014. Todas as portas que precisei fechar por uma necessidade absurda. Era isso ou a dor. Era isso ou a incerteza. Era isso ou invasão.

Sobre a habilidade das pessoas que falam
E quando elas, incrivelmente, sabem tudo sobre você e onde inserir o dedo para cutucar todas as feridas. Sobre a forma como elas nos cativam. Sobre quem nos envolve. Não, não são as mesmas. Mas, em comum, a forma como falam e vão, intencionalmente ou não, mudando sua vida.

Sobre portas
2014 veio domesticando minha fera interior, a que livremente se mete a deixar abertas as portas, para ir e vir. Fechei algumas delas. Não apenas elas, mas todo contato virtual, real, sim, te excluí. Sim, vá à merda. Foi essa a sensação.

Sobre o choro
Sou apegada a pequenos objetos e a pessoas. Daí que fechar qualquer porta me provoca um choro de semanas. Falar nisso, choro desde terça-feira. Um desamparo, moço. Uma agonia, moça. Porque as danadas das criaturas que sabem falar me convencem em tempo integral que uma parte de mim, ou toda ela, é insustentável. Incômoda, egoísta. E a dor de ouvir de quem tem a habilidade de falar, dá essa impressão besta de que elas, realmente, tem razão. Corra, Lola, corra.

Sobre os amigos
Não sei quantos possuem o entendimento de que um abraço representa uma volta ao mundo para quem está chorando. Para quem está alegre. Para quem está em um conflito interno que invade os dias e lhe tira o ar. Não sei se há a percepção de que um abraço salva. De que o acolhimento de receber o outro nos braços e deixá-lo ali, enquanto for necessário, está ligado ao cheiro de terra molhada, aos lençóis perfumados, à comida quentinha, à ancestralidade de nossos avós. À parte mais branda e afetuosa que a gente se permite ter.

Sobre chaves
2014 foi, também, de descobrir chaves escondidas. Abri a mente, acolhi ajuda, dei espaço para choro, para a dor, para as alegrias. Abri espaço para gente que nunca enxerguei direito. Para receber a orientação de pessoas extraordinárias, na vida, nos estudos, no trabalho. Abri, abri, abri. Os olhos, o corpo, a alma, a vida. E me senti segura no descobrimento, nas cortinas escancaradas, no sorriso sincero e com o que decidi viver. Bem assim.

Sobre hoje
Noite em Olinda, amiga querida, a dor no peito ainda me fazendo chorar. Vontade de ser mais. A ideia de ser apenas uma. Conflito libriano regado à cerveja, ladeira, lua, cigarro mentolado, andar pelas calçadas, gentileza. E encontros inesperados e felizes.
A vida, a minha, é assim.

Carlota

07122015  

sábado, 16 de agosto de 2014

Soltando você

Em alguns momentos da vida da gente uma iluminada onda de amor invade o peito. E, nesse tempo, é preciso fazer algo para que ele circule, se espalhe. No dia 12 de agosto ela chegou de repente e me vi parando no meio da cozinha, olhando a janela de onde vejo minhas árvores e desejando que todos os meus amigos e a minha família pudessem partilhar daquele deslumbramento. Porque uma alegria genuína me invadia. Parei no meio da cozinha, olhei para minhas árvores e senti o peito se expandir e aquecer. Pensei em cada um. No jeito de cada um. Na vida de cada um. E quis, intensamente, que eles pudessem naquele instante sentir o quanto eu os amava.

No início de agosto participei de um minicurso de meditação. Na verdade, um curso que prepara o corpo a se habituar ao silêncio e à quietude. No primeiro dia ainda, finalzinho de tarde, no momento da prática e enquanto ainda ajustava corpo e pensamento para que a mente enfim se esvaziasse, fui lembrando aos poucos de pessoas queridas. Do meu tio Ricardo, que há 15 anos me deixou órfã de um cúmplice; da minha avó, que resistiu até 2001 e pode conhecer dois dos meus três filhos; de duas amizades que por terem acabado ainda me provocavam dores.

E no relaxamento antes da mente esvaziar-se por completo, disse para mim que iria soltá-los. Para que eu pudesse viver com mais alegria, para que eles pudessem voar mais alto, para que as amizades extintas pudessem se transformar em bondade e calma. Senti que naquele momento toda a minha alma se revelava e se despedia. Senti que meus afetos perfeitos eram enfim livres do meu peso. Senti que, finalmente, o luto se encerrara e a saudade não machucava. Era amor.

Então que nesta quarta, quando os 15 anos de Ricardo ausente se fazia, aconteceu o inesperado e o corpo se encolheu em uma dor tão grande, porque meus amigos estavam nela mergulhados. Nunca pedi tanto por silêncio enquanto precisava falar. Nunca pedi tanto minha casa, juntinho dos meus filhos, enquanto afastada estava. Nunca senti tanta necessidade de envolver cada um deles em um abraço enroscado para dizer que lhes amo muito.

Queria, naquele momento, e quinta, sexta, hoje, que houvesse a possibilidade de amparar cada um com meu corpo junto. Porque está doendo em cada pedaço, em cada um deles e a dor reverbera em meu peito. Que naquela terça havia se enchido de uma alegria tão linda enquanto eu olhava as minhas árvores e lhes queria bem. E, daqui, estou com vocês.

Carlota
16082014

domingo, 20 de abril de 2014

Passagem

Em meio a autocrítica que envolve o que penso hoje, lembro o que me falta.

Falta aquela dose de gratidão por ter filhos tão lindos. E por eles serem amorosos. E pela capacidade de invenção e carinho que cada um traz. Então, agradeço. Obrigada, mundão, por ter me dado essas pessoas e elas estarem junto, fazendo parte dos meus dias.

Falta aquela criatura que vai mover céus e terras pra me fazer feliz. E, na falta sentida, apurada, em meio a músicas lindas e taças de vinho, desenrosco a echarpe da angústia e me lembro. De todas as criaturas que apesar de não moverem céus e terras, fazem meu dia andar. E dá até pra dar um sorriso lembrando que sou besta demais, choro demais, preciso rir mais.

Falta riso. Um escancaramento talvez. Relembro a frase que me diz que tudo o que se deseja de si, está em si, latente ou à espera de vir à tona. Então que daqui a pouco vai chegar uma gargalhada escancarada e sincera.

Faltam amigas que há muito se foram. Com elas, as histórias divididas, as lembranças de uma vida, os abraços de páscoa, aniversário, fim de ano.

Falta coragem. Para admitir a falta. Admitir o sem rumo que aparece. A estrada deserta. A vontade de ombro. O crescimento.

Falta, sim, deixar o medo que apareceu. Falta deixar o luto ir embora. Falta dizer que eu preciso. Sim, preciso calma, alma, doçura, abraço, amigos, lembranças, vó. Preciso me sentir conectada em coração. Preciso lembrar das razões, dos senões, da maturação.

E na autocrítica que me chega raiando o domingo de páscoa, falta relembrar a fé. No anima do mundo. Em mim. Nas minhas janelas, sempre abertas, sempre prontas para ouvir as minhas orações. E me escutam as árvores. E me escutam a noite e a alma mãe de todas. E me escutam as ancestrais e eu mesma num repentino descobrimento.

As faltas são parte. E, por elas, vai se entendendo o caminho, a busca, a paz. Vai se entendendo a finitude, a roda da fortuna, os ciclos. Vai se entendendo e sentindo, novamente, a alma plena. Plenamente consciente de que é preciso transformar aquilo que se tem, ou chega, quando dói. É preciso entender as lacunas, o que nunca vai poder ser explicado, as facetas de um mesmo problema, a visão de cada um. É preciso ouvir. E saber. Que na autocrítica que faço raiando o dia, eu só preciso disso. Alegria.

Carlota
20042014 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Quando só um Malbec salva

Aprendi a beber vinho faz pouco. Não tem dez anos. E o Malbec foi aquisição recente. Desta vez, sem nenhum conselho para comprar o vinho. Só mesmo a vontade de fazer uma receita que o incluía como ingrediente especial. A receita não chegou a ser realizada. Além dele, haviam outros itens gourmet totalmente alheios à minha geladeira.  Antes de sair para comprar tudo o que faltava, abri a garrafa e me rendi. Malbec, assim como o Cabernet e o Tempranillo, são uma delícia.

Beber vinho é aprender a distinguir sabores. Não conheço os aromas frutados, nem descrevo a bebida pela baunilha ou o amadeirado. Apenas encaro o fato de que vou abrir uma garrafa e não irei conseguir bebê-la inteiramente. Se estou sozinha, eu me encaixo em pensamentos e procuro sentir se gosto ou não do que experimento. Tranquila. Vinho é um prazer lento. Se não, se perde o gosto e nem se percebe as nuances presentes.

O danado faz a gente parar e ouvir o coração. Ver a cidade. A noite. Curtir as companhias e a comida. Permite aquecer o corpo e deixá-lo mais leve. É vestígio de épocas remotas, cujos brindes remontam imperadores. E hoje, incrivelmente, estão ali também por você.

Em alguns dias, a presença de amigos é imprescindível. Outros, pedem pausa. O vinho ajuda a compreender essa alternância de humores. Com seus sabores e perfume, indica o que vai combinar ou não naquele dia. E se ele está pertinho, beba uma taça e esqueça as 200 calorias incorporadas à sua dieta.

Vinho também é celebração. Passagens bíblicas indicavam isso há tempos. Celebrar a vida, saber que ela é possível, incrível, estimulante. Se você se deixa levar sem medo nem muita frescura. Se você curte companhias, se abre espaço para ciclovias, se de repente deixa o mundo de lado e vai conferir o mundo que há em você.

Tem horas que, assim como brigadeiro e abraço, só um Malbec salva. Na absoluta falta de vontade de abrir um vinho, abra espaço para experimentar coisas novas. E viva. Vale a pena.

Carlota

07042014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Casa, chão, abraço bom

Tenho uma filha que vez em quando observa o mundo e me surpreende com diálogos simples, mas que me apontam caminhos até então invisíveis. Num dia de meninas saímos apenas as duas e encontramos uma amiga sua. Que também aproveitava a tarde com a mãe. Logo após o encontro, no qual nos alternamos em abraços, minha menina observa que a mãe da amiga tem um abraço apertado, forte. E que a maioria das pessoas abraça de um jeito mais leve.

Perguntei como era o meu. Ela disse: normal. Eita, quer dizer que o meu é fraquinho? Ela riu e disse que não. Mas fiquei pensando nisso. Na necessidade que a gente tem de abraçar vez por outra. E que ele é às vezes festeiro, às vezes simpático, algumas –poucas – protocolar. Nesta mesma semana, havia encontrado pessoas que me faziam falta. Dessas que são tão grandes que a gente esquece pra poder continuar. E foi uma explosão de afeto mútuo, porque era grande a saudade e pra contar dela todinha em tão pouco tempo, só abraçando mesmo.

Algumas pessoas trazem mais do que abraços apertados, fortes, completos. Às vezes ele vai entregando um presente inesperado. Repleto de uma energia boa, de bons angúrios, alegria. Em alguns instantes, parece que o tempo não está pesando contra. Parece que o muito a fazer é possível. Parece que a alma é criança. E o riso chega mesmo que o abraço não tenha durado mais do que alguns segundos.

O danado é esse abraço bom, no qual encontramos o encaixe de nos achar em casa. Como se a casa fosse encontrada junto da criatura inesperada. E que, inesperadamente, sapecou-lhe um abraço engraçado, agitado, tirando e lhe devolvendo o chão em segundos. Só porque você, de repente, encontrou uma alma habitada.

Carlota

160214

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A legião estrangeira* (uma antropofagia da alma)

Foto: Gabi Valadares


























Ocupada que estive cozinhando os presentes de Ano Novo, não pude falar com cada um sobre esse desejo de um 2014 mais doce e leve. Porque 2013 trouxe ausências quase insuportáveis. E me fez reformular velhos hábitos, procurar encaixes inexistentes, caminhar sozinha. Sem tribo. Estrangeira.

Não é sem dor que a gente dá adeus. A um marido, um amigo, uma amiga. Não é sem dor que a vida mexe com a gente e obriga a encarar a solidão. Não é sem ela que a gente se transforma. Mas, com ela, foi embora um monte de medos que estavam por aqui.

Estrangeira. Ciclos às vezes tão repetitivos. Após uns 15 anos juntos, acabou um casamento (e há pouco vi uma foto da nova família e fiz as contas e então estão juntos há mais tempo agora do que a gente foi realmente casado e eu fiquei meio parada e depois me perguntei pra que contar).

Após uns 20, uma amizade antiga foi para o espaço. Não sem antes eu me achar visceralmente má. Não antes de me enrolar em culpas e me achar a mais inferior das criaturas. Não sem antes eu querer beber muito, dançar muito, esquecer tudo.

Me sentir sem tribo trouxe uma vantagem. O acolhimento que sinto ao compartilhar o mundo de pessoas que eu, durante esses 20 anos, não tinha visto uma única vez.  E pequenos presentes foram sendo entregues ao longo do ano, para amenizar desamparo, chororô e me lembrar de alegrias.

Como me sentir amorosamente em casa na casa e na companhia de Gabriela e Antônio. Como, com Mari, ouvir tranquilamente que não sou uma moça boazinha, andar de bicicleta, beber e conhecer, finalmente, o Xinxim. Rir e decorar as histórias de Black e, num dia, curtir seu abraço bom. Sentir a serenidade de Adeildo, só amor nessa criatura. E a doçura de Pedro, ouro puro bem guardado que tem meu coração (esse, amigo antigo, mas me renova tanto tanto que pra mim é sempre novo pois me trouxe ainda Ivalda e Vitor, mãe e irmão).

Daí que fiquei pensando, ao cozinhar, no lance da antropofagia. Das tribos que comem os inimigos para deles guardar sua força, coragem, energia. E como não poderia me dividir em pedaços (tenho pra mim que sou indigesta), achei de cozinhar com a alma, na esperança que ela fosse junto.  Então, cada pote foi levando Carla. Com açúcar, com afeto, da mulher sem tribo, mas com amigos novos que parecem antigos. Ou melhor, meus amigos.

Feliz ano novo, amorinhos. Vocês são minha legião estrangeira :)

Carlota
070114
* A Legião Estrangeira é título de um livro de Clarice Lispector que reúne 13 textos, incluindo o que dá nome à obra.