terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Jano

Bem que você podia estar comigo nessa noite escura. Bem que essa noite podia clarear. E virar mar. E meus cabelos, que penso em cortar, se entrelaçam nos meus dedos, enquanto alterno a música que escuto com o que eu imagino. Resolvi escrever. Porque é essa ânsia de viver não sei o quê que vai criando uma angústia ou será apatia ou será qualquer coisa tipo saudade tipo uma vontade de não estar aqui e estar em qualquer lugar e não ser ou ser para você? Vai saber.

Dezembro filho da puta que me traz melancolia, dezembro filho da puta que me incomoda a ponto de quase me encher de tristeza e se ela não me invade assim com tanta força é porque tem gente ao meu redor. E eu leio almas e ninguém enxerga a minha. E eu me desdobro e enrolo mil fitas e não encontro prata, brilho, fome. Dezembro filho da puta que só me serve porque antecede janeiro, que eu recebo como o deus de duas faces, mas essa aí que olha pra trás eu esqueço, quero o novo, o recente, o que ainda não vi.

Que aninho foda, que aninho triste, que aninho insuportável. Já vai tarde, ano velho, feliz ano novo, que eu quero todo meu. De projetos sonhados, de verdade, de paixão, de felicidade. Porque corri e fui e perdi. Porque não houve apesar de ter havido, não tive apesar de ter buscado, putaquepariu, quanto lamento, lamento, lamento.

Tá, estou aqui olhando minhas dores, fazendo a porra de um balanço desnecessário, minto, odeio balanços, não reflito, não pondero, eu vivo. E nessa de estar perdida na noite escura do meu tempo, só me sinto só. Apenas. E como se não bastasse, me sinto só de novo e de novo e de novo. A noite é linda e eu estou dizendo pra mim mesma que eu quero que tudo acabe pra começar de novo. E eu fumo um malboro, bebo a terceira dose de uísque e me pergunto por que essa ausência que hoje é falta, por que impossibilidades, por que surpreendentemente não estou triste?

Por que tanta inquietação se na aparência sou uma pessoa apaziguada pela felicidade de ser tão bem sucedida ah quanto engano quanta vontade de dançar e dar uma sonora gargalhada e lhe surpreender. Ah, amanhã eu preciso correr. Vou à praia, de ressaca, três doses com gelo e muita água, mas me rendo, sou da noite e dela me alimento quando estou sozinha e minha cama tem mais de 20 vestidos que eu resolvi contar. E coloquei o guarda-roupa abaixo, sai pra lá, que eu não quero nenhuma memória afetiva em uma roupa que eu não vou usar.

E ainda é noite, bem que o sol podia agilizar, minha empregada chegar e eu, simplesmente, colocar o biquíni e ir à praia. Feliz, decidida a perder um quilo em uma semana como se meu peso todo fosse esse e como se eu não me sentisse leve e completamente solta do que eu sou ou aparento ser. De boa, a vontade é de não me encaixar em nenhuma expectativa, por favor não espera nada de mim eu só quero ir embora e só quero estar aqui e só preciso disso, desse conflito, dessa invasão que me diz que estou viva porque se houvesse paz o tempo todo, calmaria eu iria definhar porque não quero viver sem essa voragem, essa inquietude e no fim agradeço pela noite escura, agradeço o dia que vai clarear daqui a pouco, agradeço a você que me fez escrever e fazia tempos que eu não escrevia nada e era tão ruim e que vontade de um beijo seu, adeus.

Carlota
261211

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tempo

Uma das coisas que nos ensinam na infância é que há tempo para tudo: para estudar, para brincar, para dormir, para acordar, para entrar de férias, para voltar às aulas. Tempo de namorar quando entramos na adolescência, de se apaixonar, tempo de escolher a profissão a seguir. Tempo de parar de procurar um amor porque ele chegou e a gente encontrou nossa metade da laranja.

Está certo que existem variantes. Cada um com sua história, essa pode ter sido a minha. Ou o que minha família me dizia. Sei que descobri que o tempo passa, não necessariamente os tempos. Pelo contrário, eles se alternam, a vida não é linear ou algo tão simples assim. Sinto não ter mais tempo (e dinheiro) para aprender tudo o que eu quero: espanhol, inglês, ilustração, flamenco, corte e costura. Sinto ter tão pouco tempo para me dedicar aos meus filhos (a vida me exigiu ser a provedora), aos meus amigos, às descobertas de novos afetos.

Nesse meio tempo, vou me sentindo irritada com quem pensa ter todo o tempo do mundo. E peço desculpas se a carapuça lhe serviu. A gente não tem tempo. A gente tem uns dias aí que se transformam em meses e depois em anos e de repente a gente vê uma senhora no espelho. Ou recebe a notícia de que alguém muito querido se foi. E, nessa agonia cotidiana de sobreviver, a gente tinha até deixado de conversar. Deixado de conviver, apesar de ter sido acolhida com tanta gentileza em um período de transição para casa e vida nova.

Não sei se me inquieta o fato de achar que às vezes perdemos tempo com histórias que foram mal resolvidas, com amores que ficaram latentes, com certezas nem sempre tão certas assim, com a grosseria que encontramos quase que diariamente, inclusive em nós. Não sei se consigo superar todas as mágoas e ir adiante em todas as vezes. Mas eu tenho tentado, já há algum tempo. Talvez pela morte ter sido uma figura próxima de mim desde criança. Perdi avô, pai, mãe, tio, avó (essa no seu tempo, mas continua me fazendo falta). E aí que as palavras que eu não disse, a convivência que me foi tomada, a cumplicidade que deixou de existir, criaram seus próprios espaços dentro de mim.

Também eu passei pela experiência de quase ter morrido. E sei que meus amigos estavam no hospital rezando por mim, na minha casa com meus filhos rezando por mim, imaginando o que seria deles e de meu então marido sem minha presença. Mas fiquei. E me cobro o tempo primordial de ser feliz. Quero ter sempre meus tempos de aprender, conviver, amar, me apaixonar, me equilibrar, me desequilibrar, continuar, viver. Porque pode haver tempo para tudo. Mas quando ele acaba, não há volta. Eu não estarei aqui.

Com amor, para Fábio e Botelho.
Carlota
05122011