domingo, 27 de janeiro de 2013

De casa e apego


De repente indo ao supermercado me deu uma saudade danada de casa. Sabe aquela coisa de curtir ficar descalça e sentir o chão frio? De olhar a cozinha espaçosa, a janela que dá para o quintal, a outra que dá para o jardim, que tem um jasmineiro que mexe com minhas memórias, que me acalma e dá alento, brinda a noite quando decido ir olhar a lua e só?

De repente, assim, indo ao supermercado, 11 da manhã, caminhada curta e calorenta, mas lembrei disso tudinho e foi me dando essa saudade, essa vontade de não sair daqui. Por mais que eu queira muito voltar à minha cidade natal, ficar mais perto dos amigos e do trabalho e dos filhos, almoçar em casa, caminhar na praça, na beira do rio, ter aulas de aquarela, sair caminhando pela cidade, aconteceu de sentir esse apego.

Talvez por ter comprado a casa sozinha. Por ter visto os filhos crescerem nesses sete anos, por ter aprendido a resolver outros problemas e enfrentar alguns vazios. Talvez por todas as caminhadas na praia, pela voragem de querer correr quando a mente precisava esvaziar-se, talvez porque eu gosto tanto de mar, do cheiro, da brisa que há por aqui. E de ver aquele casal antigo na calçada e ouvir bom dia e perscrutar o jardim deles admirando uma acácia amarela e ter medo quando vejo apenas um.

De repente lembrei de quando aprendi a fazer feijoada, cada um que me entregasse uma receita mais elaborada e eu, cozinheira desconfiada, resolvi por todos os ingredientes dos quais eu mesma mais gostava. E assim, sem previsão, chegaram amigos tão queridos, com mães e filhos, e aquele caldeirão imenso foi a medida certa para a nossa fome. E os elogios, de tanto prazer e vontade de repetir, chegaram dizendo que realmente a feijoada dera certo. Pois então, não atraiu amigos para um encontro inesperado?

E o vento, danado, quando empurrava as janelas e assustava o filho mais velho? E os bichinhos que foram chegando (uma jabuti, uma dachshund ) e outros indo embora (minha boxer fugitiva, um border collie que morreu), meus vizinhos gentis, um que também faleceu. E o acolhimento e a sorte de sempre ter gente boa no entorno de minha casa. E dentro dela.

Nasceu assim, de repente, hoje, 11 horas, na caminhada curta e calorenta de casa ao supermercado, uma saudade insana, quase esganada, cortando devagarinho a necessidade de ir. Apego ao jeito de olhar um mundo conhecido, que aprendi a amar aos poucos porque em muito me lembrava o bairro onde morei por tantos anos. Aqui, outra cidade, mas vai ver eram os muros, as casas, as cadeiras, as gentes todas que nem sempre conheci.

E de repente descobri amar os pedaços que se juntam em forma de portas, janelas, espaços. Com o coração apertado e querendo muito, muito, toda a sorte e amor do mundo na procura e encontro por meu novo lar. Para onde irei arrastar livros, filhos, afetos. Onde bolos de laranja e café serão mais frequentes, assim como as conversas e uma janela específica, de onde eu possa ver uma mangueira, trazendo um pouco da antiga casa para mim.

Carlota
270113

domingo, 6 de janeiro de 2013

Encontro


Toda casa deveria ter alpendre, todo apartamento, varanda. Todo quarto, jardineira. Toda alma vez em quando um sobressalto, susto, espasmo.

Toda casa deveria ter um dono que nela habitasse e lhe deixasse marcas. Livros, uma manta sobre o sofá, almofadas, água. Pratos e talheres, algumas taças.

Há de se ter, também, um balanço em um cajueiro. E alguém que chegando pela primeira vez nele se balance. E um amigo, outro, que sem cerimônia lhe roube os frutos.

Uma casa deveria, pelo menos uma vez a cada ano, abrir as portas para os desconhecidos amigos do dono. Para eles e suas risadas, para as músicas, o vinho, cerveja, brindes, piadas.

Mulheres e homens de pernas de fora. Cães que se enroscam quase gatos, filhotes, buganvílias e flamboyants.

Toda casa deveria ser testemunha do riso, da prosa boa, de ostras ao coco, arrumadinho, bolos, doces e de uma amiga que traz para o convívio lírios de anjo. De afagos e afeto.

Casa, dono, amigos deveriam ser surpreendidos. Música vira presente, se torna parte, é carinho inesperado. E, do todo, se sabe: aquele que fez tem beijos musicados, invenções para dar amor em gesto
s.
Toda casa deveria ter um dono que cobrisse hóspedes de gentilezas em uma tarde saborosa de sábado. E, eu sei, pelo menos uma delas está em Vila Velha.

Para Alexandre, Dario e os doces companheiros do sábado, 15.12.