terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A legião estrangeira* (uma antropofagia da alma)

Foto: Gabi Valadares


























Ocupada que estive cozinhando os presentes de Ano Novo, não pude falar com cada um sobre esse desejo de um 2014 mais doce e leve. Porque 2013 trouxe ausências quase insuportáveis. E me fez reformular velhos hábitos, procurar encaixes inexistentes, caminhar sozinha. Sem tribo. Estrangeira.

Não é sem dor que a gente dá adeus. A um marido, um amigo, uma amiga. Não é sem dor que a vida mexe com a gente e obriga a encarar a solidão. Não é sem ela que a gente se transforma. Mas, com ela, foi embora um monte de medos que estavam por aqui.

Estrangeira. Ciclos às vezes tão repetitivos. Após uns 15 anos juntos, acabou um casamento (e há pouco vi uma foto da nova família e fiz as contas e então estão juntos há mais tempo agora do que a gente foi realmente casado e eu fiquei meio parada e depois me perguntei pra que contar).

Após uns 20, uma amizade antiga foi para o espaço. Não sem antes eu me achar visceralmente má. Não antes de me enrolar em culpas e me achar a mais inferior das criaturas. Não sem antes eu querer beber muito, dançar muito, esquecer tudo.

Me sentir sem tribo trouxe uma vantagem. O acolhimento que sinto ao compartilhar o mundo de pessoas que eu, durante esses 20 anos, não tinha visto uma única vez.  E pequenos presentes foram sendo entregues ao longo do ano, para amenizar desamparo, chororô e me lembrar de alegrias.

Como me sentir amorosamente em casa na casa e na companhia de Gabriela e Antônio. Como, com Mari, ouvir tranquilamente que não sou uma moça boazinha, andar de bicicleta, beber e conhecer, finalmente, o Xinxim. Rir e decorar as histórias de Black e, num dia, curtir seu abraço bom. Sentir a serenidade de Adeildo, só amor nessa criatura. E a doçura de Pedro, ouro puro bem guardado que tem meu coração (esse, amigo antigo, mas me renova tanto tanto que pra mim é sempre novo pois me trouxe ainda Ivalda e Vitor, mãe e irmão).

Daí que fiquei pensando, ao cozinhar, no lance da antropofagia. Das tribos que comem os inimigos para deles guardar sua força, coragem, energia. E como não poderia me dividir em pedaços (tenho pra mim que sou indigesta), achei de cozinhar com a alma, na esperança que ela fosse junto.  Então, cada pote foi levando Carla. Com açúcar, com afeto, da mulher sem tribo, mas com amigos novos que parecem antigos. Ou melhor, meus amigos.

Feliz ano novo, amorinhos. Vocês são minha legião estrangeira :)

Carlota
070114
* A Legião Estrangeira é título de um livro de Clarice Lispector que reúne 13 textos, incluindo o que dá nome à obra.