segunda-feira, 19 de abril de 2010

De como as palavras geram mal-entendidos

Terça-feira o despertador me assustou. Pensei ser 10 da manhã, quando na verdade eram 7h40. Aproveitei e, antes do trabalho, fui caminhar na praia. Melhoro meu tempo a cada dia, porque faço o mesmo percurso de antes e ainda dou uma parada para olhar o mar, chegando em casa exatamente uma hora depois de ter saído.

Haviam tarefas me esperando. Por vezes não sei por qual delas começar. A opção, algumas vezes, é o mais urgente. Mas como as urgências estão cada vez mais frequentes, tenho dias de ansiedade. Mas na terça, não. Tinha tranquilidade por saber ter tempo para criar. Canetas, caderno, lápis de desenho, revistas, uma infinita pesquisa por fontes e referências legais.

O lance foi uma frase. Justo para quem trabalha com elas. Cada um entendeu de um jeito e se armou como pode. Ergueu muros de defesa ou de irritação. No desespero, fiquei sem rumo. E como a adivinhar o desamparo, liga um ex-vizinho falando da saudade, da convivência, do querer que eu conhecesse a casa nova. E ainda diz que me ama no final da ligação, coisa boa de ouvir assim, de surpresa, ainda início de tarde.

Minha avó me orientava a não falar certas palavras em casa, uma espécie de superstição sobre a força de cada uma delas. Hoje prefiro que meus filhos também não digam algumas, a herança é maior que a racionalidade. Uma frase pode provocar reações inesperadas. Lembro das que escrevi para algumas pessoas. Mesmo depois de meses, eram capazes de repeti-las, numa espécie de acusação ou de deslumbre, dependendo da dor ou do afeto.

Algumas eu disse mesmo. E me arrependi. Algumas histórias contei não sei pra quê. Mania de ser sincera demais, expor demais o que nem sempre é preciso. Porque depois disso, não tem volta. Não tem borracha ou amnésia. Está lá.

Ao mesmo tempo, a escrita me ajudou na mesma semana em que falaram do meu auto controle. Para suavizar um percurso que provocava angústia, fui retomando coisas que me deixam feliz, repassando-as para alguém querido. Engraçado foi ter de repetir a lista para mim mesma quase como um mantra, até equilibrar de novo a mulher que eu sou.

Bem, o final do domingo me trouxe de volta. Amigo me visita para ouvir de mim. Elogios pelo jantar, perguntas sobre a vida, café relembrando antigos convívios. E antes que eu notasse, estava amena. Precisava daquela partilha, daquele café, daquela companhia. Precisava de alguém para quem eu me mostrasse sem reservas, pelo amplo tempo de amizade construída.

Chegou, enfim, a segunda. E a semana será minha.
Carlota
19042010

terça-feira, 6 de abril de 2010

Diz

Existe algo que não é dito, assim como há pessoas que, em algum momento, deixam de falar. E escondem, sublimam, anulam.
Tentei lembrar de quando começou o silêncio. Mais ou menos quando a gentileza foi posta de lado e o desejo assumiu a carne.
Estranhos que se tocam e silenciam, por não haver nada a dizer ou no temor de revelar algo profundo, sobre o qual é difícil contar.
Palavras sugestivas, estimulantes, provocadoras. Frases ditas ao ouvido, às escuras, ao som intermitente de um cd.
Uma espécie de dor essa, esconder-se da fragilidade, do querer coisas outras. Me surpreendo com esses silêncios, sem partilha, entrega. Mas houve dias de entrar no jogo e ficar e também de ter angústia.
Quando não é preciso dizer o encontro suprime a falta. Quando não há compaixão, o silêncio cala fundo.

Carlota 06042010