quarta-feira, 22 de junho de 2011

O desejo

Ele cala fundo na alma e no corpo. Não a voragem que me incendeia ou que me destrói as esperanças de ser tranqüila. O desejo que cala fundo em minha alma é justamente esse, o de me sentir apaziguada. Mas o corpo me cobra movimento, articulação, inquietude. O corpo me exige ser. E ser toda, totalmente entregue e viva.

Desejo de amar você. Desejo de ser amada tão intensamente, tão apaixonadamente, tão ler junto e querer e descansar a cabeça nos seus ombros e beijar de mansinho e confiar e deixar o medo para depois, para um dia em que eu me encontrar com algo que eu não reconheça. Não agora, quando posso tudo nos seus braços.

Tão racionalmente eu pergunto porque preciso de algo externo a mim que me traga alegria? Ou a plenitude e a cumplicidade? Mas também reagimos ao outro, também vivemos porque outros nos vivem e pensam e vêem. Também nós vemos, queremos, buscamos. E o outro se revela presente. Assim como nós estamos, ele também está.

Se desejo tanta tranqüilidade por que meu peito arde? Por que me sinto furacão? Por que o céu está vermelho, tingido de morte e dor? Por que o céu surgiu rubro, carregado da vida inteira que trago e que me faz intensa assim, feliz assim, plena assim? Por que a necessidade de sentir com tanta força? Para provar a minha? Para dizer que posso? Para mostrar que sou?

Porque meu caminho no mundo poderia ser de suaves passos. Mas sempre os tenho firmes, sempre são ligeiros, sempre fujo para o calçadão quando preciso de mim. Quando me encontro, quando me revelo, quando quero. Porque no sagrado instante em que sou só no mundo, ele pode ser todo meu. Porque no exato minuto em que me entrego à minha alma, ela se espalha por toda a minha pele e me leva para qualquer lugar.

Ah, esse desejo de ser apaziguada no que eu tenho de mais forte. De encontrar alguém que vença a resistência de muros tão frágeis. Dessa parede de nãos que eu mesma construí. A negação da própria força, da minha leveza, da minha sabedoria, do meu perdão. Negar meu desejo de ser o que eu sou. Não menina, delicada, incapaz. Inquieta, sedenta, em busca.

E se eu pudesse me tornar incandescente? Por que, pergunto, não ser feita do que já sou e continuar a me refugiar em histórias tão antigas, medos, incompletude? Por que meu desejo de ser amada como se o amor só fosse possível entre seres iguais nos gestos e não na compreensão do que temos de incomum?

O desejo de encontro. De minha tranqüilidade e da minha paixão. Minha alegria e minha leveza. Meus dias de caminhar a passos largos, como se o mundo fosse meu. E é. O mundo que construí e que vai se erguendo a cada dia. E não importam furacões, voragens, céus vermelhos. Trago mares de águas mornas e calmas, velas esfumadas, viagens. Trago olhos de enxergar beleza e um caminho inteiro. Trago desejo.

Carlota
21062011