sábado, 4 de agosto de 2012

Vez em quando

Vez em quando é preciso amar. Mas não aquele amor carnal, tão bom, intenso e desejado. É preciso amar a humanidade. É preciso olhar o trabalho com amor. É preciso, sim, é preciso, entender o ser humano que se esconde por trás de todos os defeitos de sua empregada, que às vezes lhe tira do sério ao desconhecer os mistérios culinários que se escondem em um prato de macarrão.

Partilhar a dor, a saudade, a tristeza é considerado sinônimo de amizade. A gente sabe que aquele que nos oferece o ombro é solidário. Mas vamos ser solidários na alegria. Vamos invadir a todos com uma energia tão boa, como se o dia hoje tivesse tido um passeio de bicicleta, uma caminhada à beira-mar, um abraço de filho cheio de dengo. Vamos parar de reclamar só um pouquinho, pintar as unhas de vermelho, dividir as impressões sobre um filme, dar uma parada para um banho frio de chuveiro. Vamos acordar.

Sou reclamona por natureza. Não, não é da minha natureza. TPM, dor e ex-marido às vezes me enchem o saco e sinto que os ombros estão sobrecarregados. Vou correr pra onde quando bate a vontade de colo? Foi simbora minha avó, minha mãe maior. Foi simbora o tio companheiro. Ainda tenho uma família por vezes arisca, outras afetuosa. E, com quase 43 anos, que desejo de colo é esse? Vez por outra é só a necessidade de dar uma pausa. Que ninguém para no colo no outro e se entrega às reclamações. Sim, elas iniciam essa espécie de terapia casual. Mas no final o que acontece é o descanso. A necessária pausa para se recuperar do tombo, da noite mal dormida, das dores, dos problemas, do cansaço.

Esse colo a gente quando cresce vai oferecendo. Aos filhos, aos amigos, à família. E descobre que esse dar colo também vai garantir uma pausa feliz. Porque nos desligamos momentaneamente do que somos ou do que estamos vivendo para apenas ajudar aquele que nos procurou. Para suavemente passar as mãos nos seus cabelos. E desejar em palavras ou só no pensamento que tudo se resolva, que a dor passe, que a vida acalme ou que ela se sacuda, cheia de malemolência para alegrar.

Dia desses estava no aniversário de uma amiga, que também é comadre, que também é sócia. E fiquei lá lembrando das batidas de cabeça que a gente dá. Pode escrever que somos três mulheres fortes, determinadas e absurdamente cabulosas. E olhando pra ela, a de olhos verdes, cantando pra ela ao lado de outra grande amiga pensei: meu olho agora é de amor. Vou olhar com amor essa amizade. Essa sociedade, esse trabalho. Apenas isso. Amor.

E amor a gente pode sentir ao ler um livro e se aquecer com uma história que se passa em Budapeste. Ou com um ciclista que surge durante a tarde. Amor a gente sente quando vê que conseguiu. Quando compra um esmalte laranja com glitter pra única filha que tem. Quando vê o amigo desenhar com um traço lindo. Quando vê um trabalho pronto. Quando a dor passa e a gente percebe que o dia é de sol.

Por isso, vez em quando, é preciso amar. Cuidar dos vínculos e do pertencimento, cuidar e se deixar cuidar, num enlevo suave como colo de mãe e de pai. Ou de vó, minha avó, minha querida. Hoje estou com saudade, é fato. Dolorida, tipoia no braço esquerdo, mas com vontade de amar essa Carla Patrícia que eu sou. Vez em quando. Vez em quando.

Carlota
04082012