sábado, 13 de abril de 2013

Milkshake de tangerina

E aí você, que nunca se aventurou além do sorvete de flocos e o máximo de risco gastronômico que assumiu foi tomar o chicabon apesar de todas as recomendações sobre as calorias e o colesterol, não sabe a delícia de um milkshake de tangerina.  É preciso contar sobre a pessoa que resolveu investigar esse sabor. Ela costumava misturar almôndegas com geleia de framboesa quando morava em outro país. Também tem o hábito de mesclar doce e salgado sem frescura nenhuma. E sem forçar ninguém a nada.

Daí que o milkshake, para quem já adora frozen de tangerina e na praia costuma consumir raspa-raspa (livrai-me-de-pensar-por-onde-vai-a-mão-que-raspa-o-gelo) de morango e coco, não pareceu algo tão escatológico quanto um sorvete de macaíba, por exemplo.

O inusitado começou quando aceitei o convite para um rodízio de sushi. Você pode estar com água na boca ou com o estômago revirado, confesso logo que se fosse uma pizza de pepperoni tinha ficado mais animada. Qualquer rodízio me deixa em desvantagem. Não consigo comer muito e aquela exuberância de comida passando o tempo todo termina me perturbando visualmente a ponto de ficar inapetente.

Encontro Pedro Bezerra, o sensato rapaz que fez aniversário há 13 dias. Encontro Juliana, amiga de Pedro, que um dia dividiu uma garagem e aulas de desenho comigo, me matando de inveja com seus mangás maravilhosos. Encontro Vitor, irmão de Pedro, também um amplo distribuidor de abraços e consumidor de sorvetes e sushis. Tive de ouvir ser eu uma farsa. Quem conhece Pedro lhe conhece também a expressão. Explico: fui logo dizendo que só ia consumir coisas cozidas, sushis maçaricados, apelando para a neutralidade de sabores. E aí terminei colocando no prato salmão, alga, peixe, uns empanados e vamos comer!

A gente estranhou sim, mas foram as duas telas exibindo MMA, logo acima do balcão de comidinhas. Os caras suados, se atracando, a gente sem ouvir nada, e de repente Ju vai de narradora: “amigo, me dá aqui um abraço!” O cara escorrega e ela fala: “pô, cara, cosquinha não vale”. E depois a sede avassaladora. E a gente olhando sem acreditar o preço de um copo de 330 ml de suco: R$ 5,00. Mas o danado era de tangerina. E foi dando ideia. Na recusa em consumir qualquer bebida, vai todo mundo pra sorveteria.

No caminho, Ju assusta um pobre ciclista, tem de escutar Pedro dizer que ela sim, assustou o ciclista e a gentil menina que se dispôs a dar carona até a John's da Madalena nem água quis. Vitor foi no casquinho com duas bolas de sorvete de morango – Ju estranhou a escolha. E garantiu: aposto que vocês serão as primeiras pessoas a pedir um milkshake de tangerina. Perguntamos. E a atendente responde: a mim, foi a primeira vez.

Dividimos um de meio litro com calda de morango. Pedro queria caramelo, eu disse que ia morrer de enjoo. Ele se rendeu – é tudo fruta, combina. E a gente senta com dois canudinhos e fica dividindo aquele pedacinho de céu. Doce, azedo, leve, quase um frozen mesmo. E ele corria a beber e eu enrolada naquela divisão.

E nessa história Vitor nos explica sobre o porquê de um bairro recifense se chamar Bomba do Hemetério (tinha um cara com uma bomba que garantia água para os moradores do lugar). Eu expliquei o porquê do nome Chão de Estrelas (uma comunidade de lavadeiras que estendiam roupas e lençois nos varais e, com a luz da lua, as sombras se projetavam por entre as peças formando desenhos no chão, parecendo estrelas). E a gente ficou assim, achando bonito isso tudo.

E enquanto o sorvete durava, apareceu até Bauhaus. Com espaço pra gente dizer que menos não é mais de jeito nenhum. Que um pequeno detalhe, um ornamento, algo inusitado, pode deixar um objeto mais belo, uma casa mais bonita. “Isso tem amor”, diz Pedro. Como a mistura doce-azeda abrandando o calor do sábado em Recife.

Carlota
13042013

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Lágrimas que pesam toneladas


Aos 43 anos, com três filhos, quatro afilhados, irmã, tios, tia, prima, um ex-marido, amigos bem próximos, outros afastados, afetos clandestinos, declarados, compadres e comadres, sinto falta de várias coisas, pessoas, sentidos.

Sinto falta do café da manhã cedíssimo, compartilhado com o ex-marido durante anos. Primeiro, para esticar a convivência pela manhã. Depois, para preservar os necessários momentos entre nós dois após os nossos três rebentos invadirem todos os espaços da casa.

Sinto falta de minha avó, de seus conselhos, da forma como me olhava sabendo muito. Do jeito que me ensinou a cozinhar, quase sem falar, apenas me deixando na cozinha a observar o modo como preparava a comida. Até hoje não tenho nenhuma sofisticação no dia-a-dia. É feijão, arroz, macarronada, bolos, pudins, fatias paridas, macaxeira, cuscuz, escondidinho, no máximo arrumadinho e feijoada. Aprendi com ela, exceção da última, ensinada no mínimo por três pessoas diferentes. Sim, arrisco outros pratos, receitas de livros e internet, com bons resultados. Mas eles não me foram ensinados. Não tem esse gostinho bom de vó.

Sinto falta de almas leves. Com muitos sorrisos e olhos brilhantes. De confiança mútua, desejo de mudar, segurança nas escolhas. Sinto falta de algumas amigas de riso solto e escancarado. De aprender flamenco por três meses. De viagens prolongadas. Sinto falta da cumplicidade de um palhaço alegre, companheiro de sonhos e que, ontem, provocou da minha querida afilhada Bruna a declaração que dá título a esta crônica: tem lágrima que cai pesando uma tonelada.  Sim, menina. As lágrimas pesam e são enxurrada quando a perda aperta e dá um nó.

Hoje caminhei por uma rua tranquila, lembrando da forma como você falou de saudade. Uma foto e um comentário. E me deparei com o rosto amado do nosso tio Ricardo. Cúmplice, amigo, irmão. Compadre, éramos ambos seus padrinhos. E completamente derretidos pela caçula (a última da família tinha sido eu, imagina você como fazia tempo).

Você nem sabe, mas a gente inventou de tirar fotos suas no mesmo dia. Quando fui por o filme na máquina, quase queimo o que ele já tinha colocado. E você estava linda. Gorduchinha, risonha, babando o berço, tão cheia de dobrinhas e de molecagem, que a gente se rendeu a esse aquecimento cardíaco chamado amor. Presente em cada imagem registrada naquele dia. E em outros, minha querida.

Lembrava dele e me alegrava por não sentir a perda como antes. Então pensei no quanto a gente tem de se habituar às despedidas que a vida traz. Às ausências de quem não está por perto para acompanhar saltos arriscados ou passos miúdos. Durante um tempo meu riso foi embaçado por essas lágrimas pesadas. Até o dia de ver um dia nublado e não mais ficar triste. Porque a lembrança tornou-se leve. A presença impregnou minha alma. Já não faço mais distinção. Para mim ele é, está, sou eu.

Ricardo foi o afeto canceriano ligado à família e aos dramas e comédias de todos nós. Hoje deixo ele partir. Com leveza.  São 14 anos de ausência. E fomos crescendo nesse tempo: eu, você, meus filhos.  Sabendo que os cafés da manhã podem ainda ser partilhados. Que os traços ancestrais de minha avó estão na paciência e na impaciência minha de todo dia. Que as pessoas precisam ir, ao morrer, ou porque tem outros projetos, amores, ideias. Que tio Ricardo, afeto meu, está em todo sonho, conquista, sorriso ou palhaçada. E em meu coração. Como você, minha flor primeira.

Carlota 
03042013