sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Costelas



Feche o ciclo. Feche a porta. Abra as gavetas e jogue fora as contas pagas há sete anos, o comprovante do depósito, a foto revelada por engano, de alguém que você nem sabe quem é.  Feche o ciclo. Feche a porta. Abra as cortinas da janela às 8h de uma manhã que parecia cinco, deixa pra lá o blackout, mania de dormir no escuro essa, abre logo a janela, anima pra sair da cama, tem um bando de passarinhos cantando loucamente e tá estranho, mas tá tranquilo, tá confuso, mas é assim mesmo, tem um certo encantamento nesse encerrar das coisas e começar tantas outras.

Feche o ciclo. Feche os olhos. Abra esse peito como quem afasta com as mãos as costelas e sente os ossos com segurança e pés no chão. Como quem encaixa de verdade o ar dentro do pulmão esquerdo, do pulmão direito, assim, ao mesmo tempo, ampliando o esterno, esticando o ombro, vendo o diafragma subir e descer e dando meio que uma tontura por respirar direito.

Feche o ciclo. Feche as mãos, os braços em volta do corpo e acolha. Acolha a dor, se houver, acolha a alegria que surgir, acolha o envelope pardo e rabiscado que é o corpo, acolha a música desse passarinho insistente, acolha a luz amorosa, abra o espaço exato entre o que há e o que houve, entre o que se sente e o que se teve, entre a mesa e a cadeira, o lápis e o computador.

Feche o ciclo e encontre. Feche o ciclo e perdoe. Feche o ciclo e respire. Feche o ciclo e se alegre. Vai lá no coração do universo, feche o ciclo e festeje. Feche o ciclo e agradeça. Feche o ciclo e comece.

Comece um ciclo, mais outra e outra e outra volta em torno do sol. Comece mais um caminho, comece pela incerteza, comece pela vontade, comece pelo que se pretende, comece pelo que alegra.

Entenda, meu bem, é fluxo. Um jorro de luz, uma ou outra pedra escondida, faca amolada, corte, bordado, enfrentamento, medo, tudo junto, fluxo contínuo de energia infinita, universo feito gente, eu pedaço de mundo, de ciclos que se fecham e começam, entrelaçados.

Carlota
271017