sábado, 16 de agosto de 2014

Soltando você

Em alguns momentos da vida da gente uma iluminada onda de amor invade o peito. E, nesse tempo, é preciso fazer algo para que ele circule, se espalhe. No dia 12 de agosto ela chegou de repente e me vi parando no meio da cozinha, olhando a janela de onde vejo minhas árvores e desejando que todos os meus amigos e a minha família pudessem partilhar daquele deslumbramento. Porque uma alegria genuína me invadia. Parei no meio da cozinha, olhei para minhas árvores e senti o peito se expandir e aquecer. Pensei em cada um. No jeito de cada um. Na vida de cada um. E quis, intensamente, que eles pudessem naquele instante sentir o quanto eu os amava.

No início de agosto participei de um minicurso de meditação. Na verdade, um curso que prepara o corpo a se habituar ao silêncio e à quietude. No primeiro dia ainda, finalzinho de tarde, no momento da prática e enquanto ainda ajustava corpo e pensamento para que a mente enfim se esvaziasse, fui lembrando aos poucos de pessoas queridas. Do meu tio Ricardo, que há 15 anos me deixou órfã de um cúmplice; da minha avó, que resistiu até 2001 e pode conhecer dois dos meus três filhos; de duas amizades que por terem acabado ainda me provocavam dores.

E no relaxamento antes da mente esvaziar-se por completo, disse para mim que iria soltá-los. Para que eu pudesse viver com mais alegria, para que eles pudessem voar mais alto, para que as amizades extintas pudessem se transformar em bondade e calma. Senti que naquele momento toda a minha alma se revelava e se despedia. Senti que meus afetos perfeitos eram enfim livres do meu peso. Senti que, finalmente, o luto se encerrara e a saudade não machucava. Era amor.

Então que nesta quarta, quando os 15 anos de Ricardo ausente se fazia, aconteceu o inesperado e o corpo se encolheu em uma dor tão grande, porque meus amigos estavam nela mergulhados. Nunca pedi tanto por silêncio enquanto precisava falar. Nunca pedi tanto minha casa, juntinho dos meus filhos, enquanto afastada estava. Nunca senti tanta necessidade de envolver cada um deles em um abraço enroscado para dizer que lhes amo muito.

Queria, naquele momento, e quinta, sexta, hoje, que houvesse a possibilidade de amparar cada um com meu corpo junto. Porque está doendo em cada pedaço, em cada um deles e a dor reverbera em meu peito. Que naquela terça havia se enchido de uma alegria tão linda enquanto eu olhava as minhas árvores e lhes queria bem. E, daqui, estou com vocês.

Carlota
16082014