domingo, 20 de abril de 2014

Passagem

Em meio a autocrítica que envolve o que penso hoje, lembro o que me falta.

Falta aquela dose de gratidão por ter filhos tão lindos. E por eles serem amorosos. E pela capacidade de invenção e carinho que cada um traz. Então, agradeço. Obrigada, mundão, por ter me dado essas pessoas e elas estarem junto, fazendo parte dos meus dias.

Falta aquela criatura que vai mover céus e terras pra me fazer feliz. E, na falta sentida, apurada, em meio a músicas lindas e taças de vinho, desenrosco a echarpe da angústia e me lembro. De todas as criaturas que apesar de não moverem céus e terras, fazem meu dia andar. E dá até pra dar um sorriso lembrando que sou besta demais, choro demais, preciso rir mais.

Falta riso. Um escancaramento talvez. Relembro a frase que me diz que tudo o que se deseja de si, está em si, latente ou à espera de vir à tona. Então que daqui a pouco vai chegar uma gargalhada escancarada e sincera.

Faltam amigas que há muito se foram. Com elas, as histórias divididas, as lembranças de uma vida, os abraços de páscoa, aniversário, fim de ano.

Falta coragem. Para admitir a falta. Admitir o sem rumo que aparece. A estrada deserta. A vontade de ombro. O crescimento.

Falta, sim, deixar o medo que apareceu. Falta deixar o luto ir embora. Falta dizer que eu preciso. Sim, preciso calma, alma, doçura, abraço, amigos, lembranças, vó. Preciso me sentir conectada em coração. Preciso lembrar das razões, dos senões, da maturação.

E na autocrítica que me chega raiando o domingo de páscoa, falta relembrar a fé. No anima do mundo. Em mim. Nas minhas janelas, sempre abertas, sempre prontas para ouvir as minhas orações. E me escutam as árvores. E me escutam a noite e a alma mãe de todas. E me escutam as ancestrais e eu mesma num repentino descobrimento.

As faltas são parte. E, por elas, vai se entendendo o caminho, a busca, a paz. Vai se entendendo a finitude, a roda da fortuna, os ciclos. Vai se entendendo e sentindo, novamente, a alma plena. Plenamente consciente de que é preciso transformar aquilo que se tem, ou chega, quando dói. É preciso entender as lacunas, o que nunca vai poder ser explicado, as facetas de um mesmo problema, a visão de cada um. É preciso ouvir. E saber. Que na autocrítica que faço raiando o dia, eu só preciso disso. Alegria.

Carlota
20042014 

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Quando só um Malbec salva

Aprendi a beber vinho faz pouco. Não tem dez anos. E o Malbec foi aquisição recente. Desta vez, sem nenhum conselho para comprar o vinho. Só mesmo a vontade de fazer uma receita que o incluía como ingrediente especial. A receita não chegou a ser realizada. Além dele, haviam outros itens gourmet totalmente alheios à minha geladeira.  Antes de sair para comprar tudo o que faltava, abri a garrafa e me rendi. Malbec, assim como o Cabernet e o Tempranillo, são uma delícia.

Beber vinho é aprender a distinguir sabores. Não conheço os aromas frutados, nem descrevo a bebida pela baunilha ou o amadeirado. Apenas encaro o fato de que vou abrir uma garrafa e não irei conseguir bebê-la inteiramente. Se estou sozinha, eu me encaixo em pensamentos e procuro sentir se gosto ou não do que experimento. Tranquila. Vinho é um prazer lento. Se não, se perde o gosto e nem se percebe as nuances presentes.

O danado faz a gente parar e ouvir o coração. Ver a cidade. A noite. Curtir as companhias e a comida. Permite aquecer o corpo e deixá-lo mais leve. É vestígio de épocas remotas, cujos brindes remontam imperadores. E hoje, incrivelmente, estão ali também por você.

Em alguns dias, a presença de amigos é imprescindível. Outros, pedem pausa. O vinho ajuda a compreender essa alternância de humores. Com seus sabores e perfume, indica o que vai combinar ou não naquele dia. E se ele está pertinho, beba uma taça e esqueça as 200 calorias incorporadas à sua dieta.

Vinho também é celebração. Passagens bíblicas indicavam isso há tempos. Celebrar a vida, saber que ela é possível, incrível, estimulante. Se você se deixa levar sem medo nem muita frescura. Se você curte companhias, se abre espaço para ciclovias, se de repente deixa o mundo de lado e vai conferir o mundo que há em você.

Tem horas que, assim como brigadeiro e abraço, só um Malbec salva. Na absoluta falta de vontade de abrir um vinho, abra espaço para experimentar coisas novas. E viva. Vale a pena.

Carlota

07042014