terça-feira, 31 de janeiro de 2012

De como eu preciso matar você

Sim, meu amor, preciso. Porque não seria justo comigo permanecer com você tão vivo e tão perto. Preciso que você morra, querido; que seja transformado, pranteado em um altar imenso e cremado e espalhado pelos ventos em algum lugar que não me lembre você. Uma geleira, uma salina, uma cova rasa. Um bueiro, um beco, um buraco em algum caminho.

Perdoe-me, querido, se sou assim. É porque preciso matar você. Mas não é fácil. E não imagino câmaras de gás, latrocínio, suicídio. Imagino apenas suas cinzas espalhadas em algum lugar que não me lembre você. Uma esquina, um bar sujo, um banheiro impregnado de urina.

Ah, meu amor. Vou matá-lo de um jeito doce, você nada irá sentir quando eu lhe beijar por último e rir depois. Nem vai perceber que está morrendo lentamente nos meus braços, porque demorou a entender que eu já nem queria. Nem notou que meus olhos são covardes e não lhe olham mais?

E minhas pernas irão se alternar com as suas. Minha boca, sua boca, que beijo é esse que me inspira bohemias e malboros e uísques, pão de queijo, sorvete, vinho do porto? Vou matar você. E jamais sentirei fome, nem sede, nem frio. Mato você com requintes de crueldade. Olhando juntinho, lambendo sua orelha, abraçando o vizinho. Meu amor, é preciso.

Quando o príncipe vira sapo ou um sátiro e cai por terra a imagem de um, de outro, de nós, só a morte. Só matando você e enfiando suas cinzas num envelope pardo e eu lhe despacho pra Groelândia, pra Finlândia, qualquer lugar onde eu jamais irei. E no escapamento de um carro, na garagem, na escada, no fio da navalha, eu mato você. E é bom.

Carlota
31012012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Surpresa

Engraçado como cansaço vai embora rapidinho quando a gente, de repente, percebe que está feliz. Comigo aconteceu após uma crise pessoal, irritadiça, chata. E resolvo fazer algo que não fazia há anos, sair com outra turma que não a costumeira. Fui com minha afilhada de 18 anos e uma amiga sua de 21 para uma boate de música latina.

Uma terceira aparece com ingressos que nos garantiram 50% de desconto. Detalhe, só depois de uma conversa porque, infelizmente, as entradas eram para o dia seguinte. E lá vou eu pensando o que estava fazendo lá com duas meninas com metade da minha idade. Peço uma cerveja long neck, fico bebericando, vem um fotógrafo de um blog, registra minha passagem por ali.

Então que vendo aquelas meninas dançando tão sem frescura, sem pressa, fui ficando alegre. Porque fiz algo que eu adoro, dançar. É algo como correr na praia, comer uma fatia de bolo de chocolate, entre outras coisas bem legais que não preciso dizer. Pra mim é uma catarse.

Dançamos todas, no final éramos cinco (uma das quais conhecia todos os dançarinos), das 23 às 3 da manhã. Quatro horas ininterruptas de ritmos latinos, dance, bregas rasgados, tudo tão bem dosado, que não havia como não gostar de estar ali. Agradeci o fato das meninas terem se aventurado em sair com a tia e curtido dançarmos juntas, sem a pretensão de analisar se eu, nos meus 42 anos, devia ou não estar em casa lendo um livro (coisa que também adoro fazer) ou cuidando dos meus filhos.

Confesso: minhas pernas estavam arrasadas na manhã seguinte, no mesmo dia no qual iria para um aniversário. E minha delícia foi ter encontrado tanta gente boa reunida, de idades tão variadas, além de dois DJs irresistíveis. Não vou mentir. Dessa vez fui das 21 até quase duas da manhã, nem sei bem como. Vai ver porque era sábado, porque um dos aniversariantes era alguém querido, vai ver porque todo mundo queria se divertir. E foi bom. Quando percebi estava ao lado do DJ e o sono era mais do que uma insinuação. Ainda resistente, me despedi.

O domingo, chuvoso, me fez acreditar no cancelamento da última farra do final de semana. Que nada. Poucos de nós foram, mas quem estava queria participar da orgia de beber, comer e estar entre amigos falando da vida e acreditando que a gente se alimenta disso, dessa partilha. Após 21 dias sem empregada, sem férias, em crise, aflita, tive um final de semana perfeito.

Principalmente pelo inesperado. Naquela chuva, em meio a um certo desânimo, apenas decidi ir aos três lugares, sem nenhuma expectativa e, confesso, sem grandes entusiasmos. Para minha surpresa, me diverti muito. O cansaço foi para o espaço e eu, de banzo, fiquei feliz.

Carlota
24012012

sábado, 21 de janeiro de 2012

Irritação

Como eu ando irritada, meu Deus. Como quase tudo implica em arranhões na alma, som de tampinha arrastando no asfalto, apito no ouvido, sol de meio dia. Como quase tudo me deixa tão à flor da pele. E sai triscando em uma sensibilidade de carne viva.

Não queria mais um telefonema, uma pergunta, asfalto molhado de chuva caindo o tempo inteiro. Não queria mais dar explicações, esconder os olhos, baixar a cabeça na incerteza. Não queria hoje nem amanhã. Só ontem, que foi melhor.

E uma música se sucede à outra e eu escuto Tulipa Ruiz, escuto Teatro Mágico, escuto Zeca Baleiro. Alguém me diz Vinícius, para alegrar, mas não me deixou alegre, Vinícius. Poesia demais, amor demais, paixão demais para quem está tão irritada, meu Deus.

Não devia ter tempo pra isso. Não devia ser tempo disso. Mas se há tempestade, não quero mais sentir. Se há tempestade, não quero nem saber. Se tem alguém que não quer saber agora nem mais tarde sou eu.

Quero uma cerveja gelada, uma tarde engraçada, umas cinco mil gargalhadas, em uníssomo, de alegria, de alegria, de alegria. Um abraço, de derreter todas as geleiras e calotas polares, quente, inteiro, feliz.

Mês que vem é Carnaval. Momo, me espera, me dá uma trégua, uma chance, me concede uma dança pra eu poder me levar. Me arrasta, me faz foliã, me deixa descalça, no passo, até encontrar o asfalto molhado nas cinzas da quarta-feira. Pra essa irritação passar.

Carlota
210112

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Encaixotando

Uma tentativa de me libertar de qualquer doçura, mas isso já é frescura, que homem não começa texto desse jeito. Lá Mané é doce? Então, estava lendo a prosa de Rubem Fonseca, de Luis Fernando Veríssimo, de Xico Sá. Tá certo, Clarice Lispector me enreda, faz minha cabeça, mas tem horas que eu queria pensar como esses caras, sem tantos tortuosos caminhos e elaborações femininas. Sabe aquela expressão: pei, buf? Pois. Essa aí. Ir direto ao ponto. Então que vou esquecendo esse rodeio todo pra entrar no que me interessa. A teoria das caixas.

Acredito piamente que cada um deve ter uma coleção de caixas bem escondida em lugar incerto e não sabido, a não ser pelo dono, é claro, que vez por outra pode até esquecer que ela existe, mas vez em quando também amplia a coleção com uma maior, outra pequeninha, quando viu, depois de anos, já tem um acervo considerável.

São segredos. Coisinhas que você fez e não vai contar nem na hora da extrema unção. Que só você e Deus (para os que acreditam em uma força onipresente maior) sabem. A última fatia de bolo que você, obviamente, disse que não comeu. A mordida no lábio, pra sangrar mesmo, de puro ciúme. As noites rolando na cama ou esperando uma ligação. O medo de perder o emprego que você não contou a ninguém. O caso com o marido da sua amiga, da sua mãe, da sua filha. Aquela vez que você mentiu que não estava em casa, quando tinha resolvido ir pra balada sozinha. Ou a doença inventada pra queimar uma segunda feira chata, chata, chata.

Até o mais correto cidadão tem uma caixinha, vá lá. Aquele tesão incontrolável pela estagiária que, obviamente, não vai dar em nada, mas o tesão está lá, presente. O troco que esqueceu (mesmo?) de passar. O sinal vermelho ignorado. O ressentimento, a poesia escondida, o esqueleto no armário.

Alguns são mais hábeis. Ao invés de uma coleção para guardar segredos, guardam a vida em compartimentos bem lacrados, cujos conteúdos não se misturam, para não desandar. São praticamente insolúveis. E então dá pra manter uma amante e continuar casado. Dá pra ser correto no trabalho e a peste no trânsito. Ter cara de anjo enquanto come até a mulher do vizinho. Detestar alguém mas manter a casca de civilidade porque é importante para a carreira. Manter um romance na clandestinidade enquanto preserva a imagem de alguém praticamente assexuado. Pois é. Uma vida feita em caixinhas.

Vai daí que entendi uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, sobre uma senhora casada que começou, de repente, a colecionar caixas. E aí que todos adoravam, sabiam o que lhe dar de presente de aniversário. Até o marido contribuía, parentes, amigos. De caixas de chapéu francesas a lindas miniaturas indianas. Então que um dia a polícia chega na casa e encontra o marido da fulana completamente distribuído entre as centenas de caixinhas. Em cada uma um pedacinho. E os amigos comentaram, depois de terem narrado o horror dela ter usado os presentes desse jeito: alguma ele deve ter aprontado, lá isso deve. No que eu absolutamente concordo com Veríssimo.

Carlota

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Será?

Quem escreve tem uma cobra venenosa dentro de si, diz lindamente Cícero Belmar (pela boca de uma mulher cheia de rancor, personagem de um dos contos) em sua nova obra Aqueles livros não me iludem mais, que ainda não li, mas que me provocou uma imensa vontade desde. Porque ele trata justamente do papel da literatura na vida das pessoas, não como uma coisa boa, mas como algo que atormenta os personagens de seus contos. Li a entrevista no Caderno C do Jornal do Commercio e como me deu vontade de sentar com o escritor e jornalista para uma conversa sobre como foi que ele chegou a essa conclusão tão reveladora.

Porque os livros podem sim, salvar uma pessoa. Podem tirá-la do tédio, da ignorância, da mesmice, do que a gente nem sabe. Mas que algumas vezes a gente para e reflete se ter lido tanto, ter conhecido Edgar Allan Poe, Simone de Beauvoir, Anaïs Nin, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Luis Fernando Veríssimo, só pra citar alguns, permitiu que a gente fosse mais feliz além do espaço de tempo dedicado a essas leituras.

Estava em uma livraria, pensava em uma decepção e não contive o impulso de comprar, vai ver porque estava triste. E lá vou eu carregando para casa um volume de contos de 600 páginas de um autor do qual eu nunca tinha ouvido falar. Antes de levá-lo, junto com outro sobre manias, um de Woody Allen (com o simpático título de Que Loucura) e mais outro sobre a prática da escrita, li um trecho apenas de um dos contos. E ele me fisgou. Porque o personagem estava praticamente na mesma situação que eu, procurando sentidos. E travava um diálogo quase ininteligível com o coadjuvante daquela cena. Pois é. Não me arrependi do impulso. E as explicações para o sentido das coisas deixei de procurar, pelo menos naquela semana.

Passado um tempo me deparo com a entrevista de Belmar, cuja obra lança hoje, na livraria Potylivros, a partir das 19h. Diga-me, meu querido, porque não poderei ir, o que a gente faz com essa cobra? Porque ela morde e não assopra. Ela invade e não respeita. Ela se torna um pedaço impregnado de sangue a respingar veneno. E como por vezes odeio a escrita.

Porque nela consigo ser mais desenvolta, delicada, explícita. Porque me apaixono por textos inteiros. Porque morro de inveja das crônicas de Xico Sá, sem volteios e mesmo assim tão repletas de poesia quando tratam de paixão, seja por mulheres ou por uma cidade inteira. E odiei Rubem Fonseca após Pequenas Criaturas. Quase matei Chico Buarque por Budapeste. E como agora sinto desejo por Aqueles livros não me iludem mais.

Ele, então. O grande burilador da alma. O desejo. Será?

Carlota
190112

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O garoto da bicicleta

Li as críticas sobre o filme em revistas e jornais. Fiquei com vontade e, em um sábado solitário, vou para um cine de arte na cidade. Encontro uma amiga, ela compra meu ingresso, entramos juntas naquela sala. Primeiro espanto é saber que alguém simplesmente não desgruda de um celular mesmo estando num cinema tão específico, com filmes fora do circuito comercial. O cara atende na maior tranqüilidade e, ao invés de dizer que não pode falar (porque tem gente que ao invés de não atender diz isso), começa a conversar. E aí que a gente fica meio constrangido e meio irritado, esperando o diálogo terminar. Foi curto e chato. O diálogo.

As cenas de abertura mostram um menino loiro ao telefone. Mostram de novo ele sem acreditar que o número discado não atende mais. O enredo do filme trata desse menino abandonado pelo pai e sobre uma mulher que surge em seu caminho. A dor do abandono, afeto, escuridão. Daí que a primeira metade para mim foi mais intensa. E a cena na qual o menino encontra a realidade junto com seu pai e, no processo, começa a se flagelar, foi dolorosa. Porque a cena faz a gente lembrar de dores que nós próprios já sentimos.

Como quando ela é tão insuportável que nos dilacera. Como quando o grito sai mudo para não acordar os vizinhos. Como quando a gente vê que não tem volta. Alguém que se foi. Alguém que não virá. Um dia perdido, nublado, esquecido. Uma perda. E quando saí de lá fiquei imaginando Almodóvar, não me peçam explicações sobre isso. O filme não tem nada a ver com ele. Tinha a ver com a necessidade de ver algo mais forte, mais denso, visceral. Porque, confesso, eu gosto de Almodóvar.

Ele constrói personagens vivos. Que tem conflitos, que tem sexo, contradições. Porque ele me surpreende com suas narrativas, me incomoda, me deixa aflita. Porque também já me deixou amena. De Ata-me à Tudo sobre sua mãe, Má Educação, entre tantos outros, completamente fisgada já pelos títulos, não vi A pele que habito. Estou preparando uma noite para assisti-lo. E para ser assaltada pelo inesperado de uma história que, peço, não me contem.

Carlota
180112

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A vida não tem o menor sentido

Conversa com ex-caso dá nisso. Resolvemos ser amigos naquele café e em meio ao cotidiano apresentado a cada um, à divisão de novidades, leitura de textos, comentários sobre vestidos e blusas e um de leve segurar as mãos; no meio daquela comida que dele foi muito melhor (e em raríssimas vezes eu erro o que pedir no cardápio), aquele cara de signo chinês igual ao meu tenta me convencer que a vida não tem o menor sentido. Não tem, viva um dia de cada vez, pra que procurar explicação?

E hoje, que andava envolta em musas e motes, tive a frase entranhada no que seria uma tarde entre a cozinha e os layouts no computador. E o que martelou a cabeça, veio me pegar assim de madrugada. Porque acho que começo a concordar, o que é isso, como é que é?

Quer dizer que não foi o destino que me fez ir àquele aniversário, provar ainda na mesa uma sandália altíssima e desistir de vez e ficar com a rasteirinha, mais adequada à simplicidade de um forró? E que nessa de estar cansada e alegre e festejando a vida da amiga, fico dançando soltinha e pousa uma mão em minha cintura?

E eu, que nem estava pensando em nada, me viro pra começar a dançar com você? E que um dia antes eu tinha ficado arrasada com um cara de signo chinês igual ao meu? Rá! Foi destino não. Mas foi ótimo, tanto mais porque de rasteirinha a gente ficou exatamente do mesmo tamanho.

E nesse cruzar de caminho da gente, a gente foi se vendo e foram o que, três, quatro, cinco anos? Nem sei. Porque todo encontro é quase vontade de começar de novo e se a gente não começa é porque já sabe onde vai terminar. A vida não faz sentido mesmo.

Não faz nenhum sentido. Porque não dá pra explicar o que acontece quando duas pessoas se encontram e, absolutamente, não conseguem se aproximar. Pode ter amizade, respeito, tesão, alegria, ironia. Mas não vai, emperra, eita filminho repetido esse. Não tem sentido. Absolutamente como ter sido feliz com o ex-marido, como tê-lo conhecido muito antes, ter voltado a conhecer, ter permanecido junto e depois ter ido.

Mulher é que cria romances, histórias, crônicas, declarações (sim, Marisa Monte já disse isso. Ou quase). Mulher é que sai procurando um sentido para aquela pessoa, naquele momento específico, ter cruzado o caminho, ter aberto a porta, ter olhado com olhos quentes, ter se aproximado dela. Por que foi que eu tropecei e esbarrei logo nessa criatura? Por que, entre tantos mortais, eu encontro você logo no show do cara que eu mais detesto (e você também), só porque estava acompanhando uma amiga e ela meio que me deixou por aqui? E seus amigos resolveram também se perder?

E se a solidão chega, se o caso acaba, se a dor recomeça, se a tristeza se instala, lá vai a mulher pensar que o cara era o homem da sua vida, que ela era a mulher da vida dele e que o destino, esse indefinível e cruel arrebentador da vida alheia, é que cuida para que nessa encarnação nada dê certo, a incomunicação se instale, a cumplicidade não aconteça. Algum motivo há. É o destino, rarará.

Não por acaso escolhi você entre aqueles que pousaram a mão em minha cintura naquela noite. A sua era a mais quentinha. Nada a ver com destino. Coincidência ou não, você sabia dançar.

Carlota
170112

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Anfitriã (de como receber pressupõe uma predisposição da alma em sê-la)

Que não pensem os amigos que os recebo com falsidade. Entrar pelas portas da minha casa implica em ser neste momento muito querido. O coração faz festa mesmo que ela não seja. Ou seja apenas um café.

É preciso, quando se recebe, abrir bem as janelas, aspergir perfumes pela casa, ungir com óleos os pés dos convidados. É preciso aquecê-los, se faz frio, e refrescá-los, se o calor por vezes é insuportável.

Quando há na alma um bem querer expansível nesse receber, a tarde, a noite, a madrugada, viram uma coisa só. Um lapso de tempo onde ele próprio não existe.

Quando os recebo, caros amigos, é porque quis vocês com tudo o que eu tenho em mim. É porque minha alegria prevalece. É porque sou música. E ela me deixa leve. E faz ser possível arrastá-los nessa onda benfazeja de quem bate o bolo, prepara a calda, põe a mesa e faz café. Capaz de produzir entre cantos, risadas, abraços, deliciosas lolitas que derretem na boca e quase nos queimam a língua, porque a gula impele a todos a comê-las tão logo saem do forno.

Então, se recuso um convite ao recebimento, é porque hoje, infelizmente, não poderia acolhê-los. Com certeza não ofereceria nem um copo d´água, que dirá um abraço amigo. Haveria fumaça em meus olhos, as janelas teriam cerradas as suas cortinas e o sofá, a mesa, as cadeiras, não seriam os móveis que são. Antes desenhos pintados sem nenhuma utilidade.

Se tive meu coração fechado, não queria que o vissem. Precisava de uma trégua que começa apenas quando me retiro em parte do mundo. Apenas escuto e respondo e acolho as infantis vozes e apenas dos meus filhos. Suavemente, eles me tomam pelas mãos e me levam para caminhar na praia. Uma pena só ter tido dois deles hoje comigo. Queria me sentir envolvida pelos três.

E, ouvindo as conversas entre eles, me sentir amada. E, ouvindo as conversas entre eles, resvalar devagarinho pelo meu próprio caminho em uma conversinha mansa comigo mesma.

Se não os recebo ou se digo, claramente - hoje não – peço perdão. Eu nada poderia dar. Nem receber.
Carlota
150112