quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A falta que ela me faz

Tenho um histórico de mulheres fortes no caminho. Daquelas que não desistem, que alcançam, dão tudo de si. Tenho um histórico de mulheres que foram embora, seja pela morte ou por viagem, seja por uma briga ou por alguns equívocos que nem sempre a gente pode desfazer.

Quando lembro de minha avó, Dona Creusa, todo um universo de felicidade chega pra mim. Quando lembro dela, vem o gosto de feijão com arroz, revejo brincos e colares de aniversário, ouço novamente seus conselhos. E sinto o corpo quente, gordinho, acolhedor, meu travesseiro na infância e meu pouso e calmante na adolescência e vida adulta.

Minha mãe, presença menorzinha em minha vida, afinal foram só nove anos, lembro pelas unhas vermelhas e intensa vontade de viver. Pelos gritos e exuberância, pelos cabelos arrumados e olhos amendoados como os da minha irmã. Revejo cada um dos seus sorrisos, saboreio até as migalhas de seus bolos maravilhosos. Eró, a irmã mais velha dos meus tios, a mulher com tudo para ter vivido mais. Mas, pelo que viveu, foi muito e foi linda.

Penso na amiga querida que uma sociedade estragou. E quase não consigo admitir essa falta, uma angústia de dois anos. Até eu entender que tudo muda. E a gente tinha mudado, não era mais cúmplice não. Mas o desejo de que a vida seja leve pra nós duas permanece. A gente precisa é muito disso. Leveza, alegria, amor.

Aí vem uma delícia de aluna, de ex-aluna, de amiga, a resolver empacotar todos os pertences, jogar fora as tralhas e partir. Recife não cabia mais nos sonhos, era pequeno, era só isso, Recife. Com lembranças legais e outras não. Gabriela. A quem entrego muito amor e partilha, por tudo que ela me ofereceu: de vistas lindas do Capibaribe até amigos, até o vinho, até a dor que vez em quando eu lhe contava.

Sinto falta dessas mulheres pertinho. Sinto falta também da minha filha, minha nega, minha linda. Que cresceu, é Marina, e não mais menininha, Nina ou Pipoca. A que ainda hoje guarda no espaço entre a raiz dos cabelos e a testa um perfume doce e todo seu. O cheiro da minha flor menina. .

Pra essas mulheres incríveis e lindas, tão fortes e corajosas, desejo todo o bem do mundo. E incluo no pacote outras a me fazer falta mas próximas, ao alcance de um post, uma ligação, um abraço. Salett, Aline, Verônica, Cris, Mariana. Tenho de aprender a entregar o amor pessoalmente. Quem sabe assim ele circula mais forte e esperançoso de dias de sol. Iluminado. 

Carlota

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Halloween

O amor chegou hoje. E eu, que da última vez tinha dito, passe outro dia, tive de lidar com esse estranho que resolveu chegar. Foi no meio do pinot noir, do edam e dos damascos, tarde de compras que também incluiu lâmpadas e creme dental. Chegou pra esfriar meu sofá.  Pra me fazer olhar as janelas e nem ver. Tirando minha fome e travando a garganta, que ainda está um nó.

Chegou me dando vontade de dormir. Na rede, abraçada, juntinho, colada. Estabelecendo parâmetros e perspectivas, parecendo uma pesquisa científica, um novo paradigma. Veio feito um puto, pronto pra briga e, eu, na minha. Olhei e foi só cansaço, estou rendida faz tempo, tem necessidade disso não, cara.

Dia das Bruxas, 13º, vontade de comprar uma bicicleta e sair por aí. A crônica de Xico Sá no El país, falando de quando o amor começa e de Love em 3D. Que insistência e que coração desaprumado esse meu.

Sexta-feira e eu bebendo o vinho do amor inesperado.

Carlota

30102015

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

De leve

Eu poderia dizer mil vezes que eu não tenho nenhuma leveza. Que sou uma alma angustiada. Que tenho uma gastrite que me ataca de vez em quando e me obriga a um tratamento de 30 dias com omeprazol. E que óleo essencial de lavanda pra mim é tão necessário quanto um beijo bom.

Eu queria mesmo era dizer de novo que não, não sou calma. E que dentro de mim ficam se balançando todas as cartas do tarô: o diabo, o eremita, o louco, a roda da fortuna, sol, lua e imperatriz. E que jogo o I Ching e ele me aconselha a ficar em silêncio, a perceber as virtudes do sábio, a observar a natureza da água, da montanha, do ar.

Aproveito e entrego que leio mensalmente o horóscopo de Susan Miller. E digo, puta merda, de novo Saturno tá lascando minha vida! Que já pensei em jogar tudo para o alto e se não jogo nunca é porque alguns laços são queridos e importantes demais. Que bate um cansaço do caralho quando a rotina ainda me inclui um trânsito insuportável e viagens de avião em pequenos intervalos. E que gosto de Jack Daniel’s e Malboro. E sinto falta de dançar.

Mas também quero falar dessa vontade de distribuir amor quando estou feliz. Que envio ondas mentais de carinho para meus queridos. Que saudade quando aperta me faz ligar e propor um café, uma cerveja, qualquer desculpa para conversar bem muito e abraçar ainda mais. 

Que abraço pra mim é o cumprimento mais legal do mundo. E nele entrego bons desejos. E recebo ondas e mais ondas de coisas lindas. E talvez daí chegue uma leveza de quem franze a testa apenas porque é míope. E, pela miopia, às vezes deixa de reconhecer alguém ou perceber o quanto uma criatura é interessante.

E esse arrodeio todinho foi para agradecer às pessoas da minha vida, e aos que estão pertinho apenas pelo bem-querer, os abraços, beijos e afagos pelo meu ano novo. E pela leveza que veem em mim.

Carlota

08102015

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Gabriela

Primeira vez na vida que me senti uma artista foi em tua casa, quando tu me entregou sem medo uma pilastra como tela para meu traço. E defendeu minhas cervejas de um infiltrado na ocupação de teu apê. Primeira vez na Cubana. Primeira vez na Mamede. Primeira vez de uma ressaca homérica que me fez querer morrer duas vezes e mais uma (presenciada por um Chicão confuso). Primeiríssima e deliciosa vez no Irak, com direito à dancinha com o DJ.

Tu é movimento, moça. Por isso tantas primeiras vezes, tantas belezas e histórias. Por isso tantas despedidas e voltas e idas e agora Brasília. Primeira vez de Morrisey. De festinha de criança para adulto, com direito a lolitas, cachorro quente e dip lik.

Tu, andarilha, também me fez descobrir o pisco e a beleza de ver a rua da Aurora do 17º andar do edf. Caeté. Do café com canela. Do aprendizado sobre pimentas e temperos. Sobre a maravilha que é um manjar de coco com calda de manga e gengibre. Tu é assim. Chama o povo pra comer e faz festa com quem chega.

Pudesse eu, corria pra tu sempre. Assim como também corri de tu quando eu estava muito triste. Porque é quase impossível disfarçar as dores diante dos teus olhos verdes. Danada de menina pra ver o que se esconde. Pra dizer tanto. Pra amar cada um e sempre mais.

De quebra, além do aprendizado culinário, amoroso, vital, ainda conheci teus amigos e eles também se tornaram um pouco meus. Patrícia, Rodrigo, Mariana, Lourdinha, Maria, Laura, Black, Marcela, Paulão, Raquel, André, Íris e tantos outros que se alternavam em tua casa. Também conheci tua coragem, esperança, vontade. Saber quando ir, quando ficar, desejar. Pois tu agora se entrega mais uma vez à Brasília. Onde fará ninho pra receber não só tua vida, memórias, panelas. Mas o desejo de todos os amigos que festejam tua vida. Mulher, seja muito feliz nessa cidade. E prepare o cozido, que vou te visitar.

Xêro, lindeza :)

Carlota
150715

ps.: num teve pendrive, mas vai meu desejo com Nina.

Feeling Good | Nina Simone





domingo, 29 de março de 2015

Fadas


















De morar em casas e ter árvores.
Uma mulher olha o jardim.
E, pronta, sempre enxerga belezas.
Até as escondidas.

terça-feira, 24 de março de 2015

Para Alice

Uma menina ensolarada e diva inspirou a crônica de hoje. E trouxe de volta um baú de coisas que trago comigo. Aquelas sobre as quais falei durante cinco anos na terapia. A necessidade de ser aceita, me sentir igual, fazer parte do grupo ou passar despercebida. A lacuna fez parte de minha adolescência. Porque fiquei muito magrinha, porque adorava ler, porque ficava em casa curtindo esse mundo fantástico e terminou que de menina sapeca, comunicativa e abraçante, fui para a sensação de desencaixe e uma timidez intensa.

Era ela que me impedia, por exemplo, de dar boa noite àquele grupo reunido na frente da casa da vizinha (não, não era falta de educação, Dona Creusa era primorosa neste sentido). Era ela, também, que me fazia observar as pessoas com extrema atenção, percebendo nuances e vibrações – legais ou não. E que me deixou desconfiada por muito tempo. Medo de gente, sabe? Medo do que as pessoas poderiam dizer. Porque uma frase inesperada podia gerar aquela dorzinha incômoda, um ranço na alma, um jeito cinzento de olhar o dia. Ou tirar minha alegria.

E se a timidez foi embora, o processo de autoconhecimento foi longo.  Envolveu olhar pra esse baú um sem número de vezes e sair descartando a opinião alheia e tão formada sobre minha pessoa, mesmo que não me conhecessem tão bem. Envolveu ainda eu perceber que criar rótulos para mim ou para outro tem dois gumes: se encaixa, também limita. Nem tudo precisa ser um universo conhecido. Nem tudo tem explicação.

Vai daí vez por outra ainda estranho – e procuro controlar a sensação ao reconhecê-la – a quantidade de gente curtindo estar ao meu lado. Pessoas recém-chegadas me trazendo brindes inesperados. Nessa de deixar rolar afeto e ter abraços quentes e muita conversa. Alegria com café, bolo, vinho ou cerveja. Encaixe. Mesmo que nem sempre de ideias.

Então me espalho em amorosidades, em dengos derretidos, em noites que se tornam manhãs. Vou entregando alguns sorrisos, conto pequenas histórias, falo de comida e sonhos. Escuto. Entendo. Discordo. Ou dou um mergulho no mar sem medo da noite fria. Porque os que chegam perto trazem o coração desarmado e não tem vontade de ferir.

Sim, Alice, palavras doem muito. E como todo mundo às vezes fala besteira, sem nem notar ou porque não consegue ter palavras boas, a gente segue tentando aprender a espalhar amor e alegria, fazendo deles um escudo legal para o coração. De verdade, a gente não precisa se encaixar. A gente é que molda a vida ao nosso redor.

Com muitas lindezas, cachinhos e batom vermelho pra você

Carlota

24032015

segunda-feira, 23 de março de 2015

Sobre ontem




Há um ano, mais ou menos, vi no instagram a foto de Mariana Freitas. Ela casou direitinho com um haicai antigo, feito há mais tempo ainda para alguém por quem fui completamente apaixonada. A paixão foi se esfarelando ao longo dos anos, tal qual o buraco nessa parede, que aumentou gradativamente. Mas foi uma das mais gratas experiências que vivi, sem arrependimento. Feliz.

Carlota
23032015

terça-feira, 17 de março de 2015

Alegria, alegria

Você sai de casa completamente sonada, vestido florido e esperança de uma noite leve. Cabelo curto, molhado, sandália, ônibus, desce e na caminhada sente cheiro de mar. Entra lá no restaurante, corre os olhos, vê gente tirando fotos em uma mesa grande, se volta para a escada e, na subida, escuta a sonora gargalhada de um menino encantado.  E conhece gente nova e revê amigos. E se sente desperta e se anima e se põe a conversar.

E nessas ocasiões nas quais todos falam e todos escutam, porque habilitados estão na alma a escutar o outro e largar o próprio umbigo, vai se percebendo um agrupamento de ideias em torno de um roteiro fantástico. E haja brinde pra expandir essa alegria. A minha se espalhava devagarinho, bem dengosa, pedindo ainda abraço e beijo. Da cadeira onde estava, olhava com tanto desejo de encaixe que levantei e mudei de lugar. E me imprensei entre aqueles dois. Feliz. Podia, estendendo o braço à direita ou à esquerda, apertar os corpos, tocar no rosto, dar xêro e beijo estalado.

Conta encerrada, praia. Foi só atravessar a rua, comprar três cervejas, conferir o malboro, tirar as sandálias. E aquele barulhinho e a maresia deixando a noite mais linda. Três pessoas destemidas resolvendo dar um mergulho no mar de Casa Caiada.  Olhei e deu uma vontade, mas uma vontade tão grande... Fui. Antes de entrar de vestido e tudo, fiz o sinal da cruz com a água do mar, sincretismo pra pedir licença à minha mãe Iemanjá e penetrar em seus domínios, ainda mais àquela hora.

Alegria de se ver naquele mar inteiro e se sentir bem com os que estavam perto. E ter cumplicidade de rir e flutuar na água e falar besteira ou ficar quieta olhando o céu. As mazelas todas indo embora, a certeza de que o mar lava a alma e a rainha abençoa as decisões. Liberdade ver cada um curtindo do seu jeito, a coisa mais simples do mundo e tão próxima: um mergulho noturno no mar. Pra sentir a água morna, o vestido enroscar nas pernas, pra pisar na areia e arranhar os pés em conchas quebradas. E depois da dança que espantou o frio de sair do mar, do cigarro e dos abraços, beijos e despedidas, a felicidade clareou o caminho todo pra casa.

E aquelas duas horas nas quais fiquei livre e me permiti mergulhar na alegria e só sentir essa moça juntinho de mim, reverberaram para a observação do meu filho no domingo à noite. Ele, que convidou um amigo pra passar a tarde em casa e ficou jogando e curtindo a conversa; ele, que foi tomar um milkshake de chocolate e morango com o irmão e o amigo em uma sorveteria da orla, enquanto eu subia a Sé de Olinda com minha filha, comentou em um de seus inúmeros momentos de sabedoria: “é tão bom a gente ficar assim com os amigos e poder fazer o que quiser, né?! Dá uma sensação de liberdade tão grande, mainha”. Tu ficou alegre, nêgo?, perguntei. “Muito” e me deu um abraço desses de enroscar as pernas nas minhas. Um jeito de dividir a alegria, sabendo que eu também estava feliz. E estou.

Para Bruno Souza, menino do riso encantado, com muita alegria por ter você aqui

Carlota

17032015 

quinta-feira, 12 de março de 2015

Adeus e signo chinês

Eu ia caminhando pela rua com o sapato apertado e me perguntando por que danado eu tinha posto um salto daquele tamanho e na verdade nem era grande porque de verdade ele tem uns três centímetros, mas para andar mais de um quilômetro era alto demais nessas calçadas de cimento irregulares ou de faltosas pedras portuguesas.

Eu ia caminhando naquele sol quente e completamente lascada e com o coração apertado e uma ansiedade e uma boca seca que não era só do calor. Porque na mente uma pergunta se fazia o tempo todo e o corpo era contrição, era falta de espaço, era algo que caminhava à toa e com medo de ser assaltado porque de verdade não estava nem naquela rua, nem naquele dia. Porque voltava e ia. Porque me obrigava a ver além do presente momento, a deixar para trás um passado bem grande e aquele exato instante em que tudo ia ser uma merda, no qual levei um soco e era melhor deixar pra lá e não lembrar mais do que havia sido há tanto tempo atrás.

Porque a pergunta que se apertava em meu juízo era uma só. E pensando bem e por tudo o que já vivi nem era mais pergunta. Era uma declaração. “Fico pensando o tempo inteiro que não há coisa mais difícil no mundo do que dar adeus”. Então, não era declaração não. Era um outdoor estampado em letras garrafais, fonte helvetica bold condensada, entreletra -20, em preto sobre fundo amarelo para garantir a visibilidade. E garantir também a perpétua existência desse jeito estranho que eu tenho de me defender e de definir o momento do adeus.

Vai ser agora, enquanto continuo inteira. Vai ser agora, enquanto ainda durmo. Vai ser amanhã ou depois, nem sei, mas vai ser. Vai ser um dia em que eu lhe veja e converse e tome café e você não faça viagens para Constantinopla-Istambul. Vai ser quando eu esquecer daquele pingente ondulado que você traz no pescoço. Vai ser para esquecer o pingente que você traz. Vai ser para esquecer.

A coisa mais difícil do mundo é dar adeus. E eu juro, queria agora não. Queria conviver mais uns dois anos no mínimo. Queria ver você crescer e eu queria ir junto. Queria mapear todos os sorrisos de menino, me inspirar nesse cabelo grisalho, nesse jeito de dançar que me arrebatou milhares de vezes e mais umas cinco. Coisa difícil essa dar adeus a algo tão bom. Dar adeus a um cheiro, um jeito, uma forma de se expressar. Dar adeus a uma pessoa inteira, do mesmo signo chinês e ocidental. Muita parecença para quem quer ficar distante. Muita avidez e voragem e jeito de ver o mundo e vontades e encostamentos.

E quando durmo eu sonho com você. Com essa despedida que não rolou. Com essa última frase que não disse por ser impossível lhe ver. Não houve tempo. Porque lhe disse tanto e busquei tanto que no fim esse calor e o corpo encolhido e a mente turva e a sensação de não estar naquela rua e o sapato apertado e a freada brusca e o palavrão que eu disse e a exata sensação de que naquele dia foi o adeus e a gente nem sabia e a gente tão educado só se fala amenamente e não houve mais cafés, jacks nem uma dança pra lembrar desse encaixe de braços e ritmo que só quem nasce sob os mesmos signos pode ter.

Então que a coisa mais difícil do mundo é dar adeus. E crescer.

Carlota

12032015

quarta-feira, 4 de março de 2015

Conversa com o espelho

Não sei se é uma vibração que emano ou se o universo conspira. Mas, milagrosa e felizmente, tenho amigos incríveis. Desses que compreendem sua necessidade de exílio ou de dançar freneticamente até ficar extremamente cansada. Desses que acolhem em noites calorentas e refrescadas com cerveja, suco ou água. Desses que, de repente, dizem verdades sem a pretensão que elas assim sejam.

Pois Mariana Freitas, essa gata inspiradora de textos e abraços, foi indicando caminhos ao longo de nossa convivência. Um dos presentes maravilhosos de outra moça linda. Essa, Gabriela Valadares, já foi aluna, já foi amiga. Hoje está entranhada na alma, com aquele desejo imenso de gratidão e felicidade. É afeto e parte. É algo que sou.

Mari, moça esperta, além de me apresentar a cafés e bares olindenses, que eu em nove anos na cidade não havia tido coragem de frequentar, se revela uma observadora do gênero humano. E de nossas manias, carências, alegrias. Ontem, lá na Mamede, essa rua simbólica de encontro e boemia, me falou sobre conversas com o espelho. Um lance de se olhar e, realmente, se ver. E como ando em uma fase de escolhas e de adeus, adeus até a modos de pensar e agir, resolvi seguir aquele lance comentado tão sem pretensão, mas carregadinho de sabedoria. Porque se olhar no espelho e se enxergar, não rosto, corpo, roupa, riso; mas alma e olho aberto pra o encontro, pode ser revelador.

É se ver e conversar e dizer bom dia pra moça que hoje olha meio enviesado mas que precisa, nesse bate papo, saber mais de si mesma. E contar pra si que é amada, tem dúvidas, às vezes quer tentar outras histórias. Hoje, quarta, dia de casa e almoço em casa e vinho e música, resolvi antes do banho e da ergométrica colocar essa conversa na agenda.

Daí que, no espelho, consegui verbalizar amor. Consegui falar das dúvidas. Consegui enxergar claramente todas as características da avó linda que tive desenhadas em meu rosto. E, pensando, ainda tenho, pois que está no coração, na barriguinha travesseiro, na poesia, no desejo de ser melhor, na forma como cozinho e deliro com os elogios dos meninos.

Consegui, no espelho, falar do que preciso. Olha, Carla Patrícia, eu quero isso. Eu preciso. Esse é, realmente, o meu desejo. E, presta atenção agora, eu gosto muito, muito de tu, visse? E te acho foda às vezes. Acho que você até que está educando seus filhos de um jeito legal. Acho que tem horas que tem muita luz e gente boa ajudando. Acho que você pode ser grata até a aquilo que não deu certo. Acho, inclusive, que fazer escolhas e dar adeus pode ser um passo infinitamente doloroso. Mas necessário. E nesse percurso estranho porque próprio e só seu, dona Carla, bora ter coragem, visse? 

Bora se inventar de novo e aprender e perceber nuances. Bora dar adeus aos padrões de pensamentos, atitudes, tristezas. Bora achar incrível viver e saber tanto de si mesma. Bora ser feliz com essas criaturas amorosas que, tenho certeza, não por acaso estão ao seu lado. Então que a manhã de quarta foi isso: aprendizado, escuta, entrega, claridade. Mesmo hoje o dia sendo nublado. Porque o espelho foi alma refletida para muitos e imensos bons desejos.

Carlota

04032015

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A construção do afeto

O que me salvou foi o seu gingado, moço. Esse jeito de andar na minha frente, com sua farda de serviços gerais e uma malemolência que dizia: relaxa, a vida pode ser incrível. E eu, que estava na vibe do vou ali e não quero mais voltar, me rendi ao inesperado encontro com o molejo desse cara que, hoje, resolveu andar na minha frente e sem perceber me contou da alegria, nesse lance de desapegar de tanto problema que aparece, de tanta tarefa, tanto prazo, tanto calor e putaquepariu tá chegando o carnaval e pra onde eu vou?

Na verdade o texto versa sobre a construção do afeto. Essa necessidade que, acredito, todos nós compartilhamos, de amar, de se sentir querido, de vez ou outra dividir a vida, seja a alegria predominante ou umas tristezas de leve a chegar independentes do sol, do mar ou da brisa que faça.

Afeto é construção, penso aqui comigo. É aquele lance da convivência apontando coisas legais, similaridades, disparidades totais, visões de mundo que não chegam nem perto da sua. E se for família, ah, nêgo, nêga, é pra lascar. Como explicar pra esse mundo de gente que a gente é um mundo e cada um é também? Como garantir o encantamento com três filhos na pré-adolescência com todos os benefícios e ônus que chegam junto? Como justificar a necessidade de silêncio, colo ou compreensão para um povo que lhe conhece há 45 anos?

Construção. Eita coisinha difícil a convivência. O distanciamento. A pausa. A vontade de dizer hoje não, peloamordedeus, só me dê afago e tranquilidade e almas benfazejas e alegrias e cumplicidade e sorrisos e abraços e um dengo assim derramado bem juntinho de sua janela que cheira a jasmim.

Como dizer que uma vida inteira pode passar e a necessidade continua? Como entender o hábito de esperar ser o centro das atenções e, depois de milhares de anos luz e análises microscópicas, perceber que não vai dar mais? Como ser explícita o suficiente para dizer que por favor não se atreva a podar as minhas árvores, porque aí eu viro bicho e quando entra o afeto filial, primordial, aí a pessoa endoida de vez?

Talvez se a gente entendesse que é preciso se desarmar o suficiente para saber que o processo é recíproco. Que se eu sinto, você provavelmente também pode estar passando por isso. Alteridade. O outro. O desejo do outro. O medo do outro. A dor do outro. A alegria também. E essa vontade de viver bem muito, bem feliz e distribuir afeto de monte, de sempre, sempre, sempre, sempre.

Há também quem nos dá amizade mas no final das contas cobra presença e sente ciúmes. Sou um absurdo, um abuso de ciúmes. Mas faço cara de paisagem disfarçando o sem número de anos que passei sendo a menina mais doce, mais amena, menos trabalhada da história. E se alguém se ressente hoje e se me afasto, ô pai, colabora aí para que eu não precise escutar tanto e tanta coisa. Porque afeto não se cobra, não se paga, se constrói.

Junto a pai, mãe, filho, filha. Junto ao amigo para o qual você estende os braços ou só os pensamentos. E o querer bem. Porque afeto é algo que não chega assim de repente. Ele pede conhecimento. Presença inicial. Verdades, histórias, memórias, partilha. E se se esquece o que foi vivido, por que mágoa, por que dor, por que tanta cobrança, peloamor?

E aquele cara que no meio do meu dia de trabalho achou de caminhar na minha frente salvou meu dia inteiro. Porque desanuviou a cabeça pesada. Porque me lembrou que é muito, muito melhor seguir mais leve. Com gingado, malemolência e, digo logo, esperando pra daqui a pouco o carnaval.

Carlota

04022014

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

De paixão e agonia (de verdade, foi saudade)

Hoje quebrei a unha. Me queimei fazendo o pirão do chambaril. Comprei uma bola de futebol americano pela internet. Tive reuniões. Ganhei uma Mafalda de presente. Tomei Stella Artois. Vi filme, ouvi música, estudei inglês. Passei o dia me distraindo da sensação de ontem. Passei o dia tentando lembrar de quando foi o dia que me apaixonei por alguém pela última vez. Tempo do caralho. Tempo imenso. Porque lembro direitinho como foi. E é bom que só, junto com uma certeza que chega de repente e invade. Pele, riso, corpo, os fios de cabelo da nuca, uma infinidade de pensamentos.

E não tem vontade ou quebranto que dissolva essa consciência. Não tem fórmula não tem recado não tem porra nenhuma. Chegando, ela fica. Boa, boa, boa. Então que a gente pensa em se esforçar pra sentir de novo. Imagina se tem alguma peça faltando nesse coração esquisito. Se tem alguma pessoa no vasto mundo que se chegue devagar ou rapidinho e lhe garanta o aceleramento do batimento cardíaco. A boca seca. O desejo de estar perto, perto, perto. De ouvir, olhar, tocar.

Tem dia que acho que tem peça faltando mesmo nesse coração esquisito. Parece que comeram alguma coisa, parece que a razão lhe explica todas as formas de dissociação e autoconsciência. Em outros, há tranquilidade e vontade de viver. De curtir um grupo de afetos risonhos, que bebem tanto quanto e dançam, almoçam, dormem, tem outra leva de problemas pra dividir e alegrias pra contar.

Tem dia que dá vontade de fazer a energia boa circular. De querer bem e o desejo de que tudo corra bem. Em círculos amorosos e quebrando caixas especiais (como essa, de saudade). E foi assim que hoje lembrei de um outro grupo. Que não posso mais ver nem tocar. Foram inúmeras massagens dos corações, carinhos nos cabelos, abraços de ano novo e de dia-a-dia. Acho que foi isso, hoje, minha agonia.

Carlota

22012015