Quem escreve tem uma cobra venenosa dentro de si, diz lindamente Cícero Belmar (pela boca de uma mulher cheia de rancor, personagem de um dos contos) em sua nova obra Aqueles livros não me iludem mais, que ainda não li, mas que me provocou uma imensa vontade desde. Porque ele trata justamente do papel da literatura na vida das pessoas, não como uma coisa boa, mas como algo que atormenta os personagens de seus contos. Li a entrevista no Caderno C do Jornal do Commercio e como me deu vontade de sentar com o escritor e jornalista para uma conversa sobre como foi que ele chegou a essa conclusão tão reveladora.
Porque os livros podem sim, salvar uma pessoa. Podem tirá-la do tédio, da ignorância, da mesmice, do que a gente nem sabe. Mas que algumas vezes a gente para e reflete se ter lido tanto, ter conhecido Edgar Allan Poe, Simone de Beauvoir, Anaïs Nin, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Luis Fernando Veríssimo, só pra citar alguns, permitiu que a gente fosse mais feliz além do espaço de tempo dedicado a essas leituras.
Estava em uma livraria, pensava em uma decepção e não contive o impulso de comprar, vai ver porque estava triste. E lá vou eu carregando para casa um volume de contos de 600 páginas de um autor do qual eu nunca tinha ouvido falar. Antes de levá-lo, junto com outro sobre manias, um de Woody Allen (com o simpático título de Que Loucura) e mais outro sobre a prática da escrita, li um trecho apenas de um dos contos. E ele me fisgou. Porque o personagem estava praticamente na mesma situação que eu, procurando sentidos. E travava um diálogo quase ininteligível com o coadjuvante daquela cena. Pois é. Não me arrependi do impulso. E as explicações para o sentido das coisas deixei de procurar, pelo menos naquela semana.
Passado um tempo me deparo com a entrevista de Belmar, cuja obra lança hoje, na livraria Potylivros, a partir das 19h. Diga-me, meu querido, porque não poderei ir, o que a gente faz com essa cobra? Porque ela morde e não assopra. Ela invade e não respeita. Ela se torna um pedaço impregnado de sangue a respingar veneno. E como por vezes odeio a escrita.
Porque nela consigo ser mais desenvolta, delicada, explícita. Porque me apaixono por textos inteiros. Porque morro de inveja das crônicas de Xico Sá, sem volteios e mesmo assim tão repletas de poesia quando tratam de paixão, seja por mulheres ou por uma cidade inteira. E odiei Rubem Fonseca após Pequenas Criaturas. Quase matei Chico Buarque por Budapeste. E como agora sinto desejo por Aqueles livros não me iludem mais.
Ele, então. O grande burilador da alma. O desejo. Será?
Carlota
190112
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