domingo, 17 de julho de 2016

Espaços habitados

Hoje me peguei andando pela casa, descalça, tentando encontrar um velho caminho que já não faço mais. O chão não tem mais o frio da cerâmica. Não preciso mais subir escadas para chegar ao quarto. Há pouco aprendi o lugar de todas as tomadas e interruptores. Ainda me assusto com o ruído de motos velozes pela madrugada. E olho a porta de madeira tentando ver o terraço que, ops, virou varanda ladrilhada.

Fico sentindo a mudança como tentativa de encaixe. Meu corpo se estende, amplia, reverbera pelos cantos, paredes, pelo piso de madeira. Sou do tamanho desses quartos, das janelas que ocupam uma parede inteira. Sou do tamanho da cozinha, da área onde coloquei a máquina de lavar.

Ocupar, habitar, viver. Comecinho tive de acalmar o coração enquanto desencaixotava os lençóis, os pratos, meus livros. Tive de me convencer de que o caminho era certo, que tudo ia ser bom. Tive de falar isso várias vezes pra mim. Já acendi incensos, instalei a rede, quase matei uma planta, dei sorrisos aos vizinhos.

Já recebi amigos, pra visita, dormida, cerveja, vinho. Um de cada vez, porque ainda tem um monte de reticências aqui. Mistura de medo de me apegar ao espaço, como era à minha buganvília, ao jardim da frente de casa, à goiabeira, ao pé de laranja. Às janelas da minha cozinha. Aos pássaros pela manhã.

Faz pouco descobri um ninho na árvore que cobre praticamente todo o meu andar. Ele fica bem pertinho da janela dos meninos. Dei um sorriso e procurei passarinhos. Eles cantam bem cedinho, talvez pra avisar que eu não devo sentir tanta falta de casa. Que casa é minha alma habitando o espaço em que resolvi pousar. Com um trio amoroso e cúmplice bem junto. Eles me ancoram. E habitam esse lugar.

Carlota

17072016 

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