Sofria. Não de indecisão, medo, insônia. Era daquela ânsia de ser gentil, até mesmo quando sibililava as palavras entre os dentes, sentindo-as uma a uma sobre a língua, como fossem se misturar e formar outras frases. Estas, as frases, não seriam suas, mas de um outro, revelado ríspido.
Educado em bons colégios, a gentileza não fora fruto desses aprendizados. Parecia intríseca a sua personalidade, que conquistava seguidores, aliados, companheiros em um ambiente para muitos doloroso. Professores, amigos, mulheres, funcionários das escolas e até mesmo o jardineiro mal humorado que praticamente afogava as plantas quando não havia ninguém olhando, até com ele haveria de ser gentil, menino de olhos claros e tez suave.
Crescendo, desenvolvera ainda mais o seu dom, tornando-se irresistível. Havia, certamente, algo escondido. Um ponto ameaçando a paz de sua sincera gentileza. É preciso dizê-lo, não era falso nem ardiloso. Por vezes o ponto escuro doía, pelo desconhecimento que tinha dele. Como se fosse um apêndice e não algo necessário, como a chuva, a morte, um beijo.
Não resistiu por muito tempo ao chamado da escuridão. Formou as frases inversas e soltou-as não por entre os dentes, mas aos gritos. Passou por louco, apaixonado, por devasso, incoerente. Causou espanto e, no fundo, alívio entre os que lhe conheciam.
A mulher que vivera observando-o de longe sorriu. Finalmente, após tantos anos, seria cúmplice. Toda aquela gentileza lhe parecera um vício. No qual ela também estivera presa por tempo demais. O olhar entre os dois era agora de reconhecimento. Dois seres irmãos nos olhos gentis e gestos impossíveis.
Carlota
25062010
Gostaria de falas para essa fábula , pois vou ensaiar uma peça ao colégio !
ResponderExcluirPorque você não se baseia nela para poder criar as falas? Cita a fonte depois, tá?
ResponderExcluirAbraço,