Aos 43 anos, com três filhos,
quatro afilhados, irmã, tios, tia, prima, um ex-marido, amigos bem próximos,
outros afastados, afetos clandestinos, declarados, compadres e comadres, sinto
falta de várias coisas, pessoas, sentidos.
Sinto falta do café da manhã
cedíssimo, compartilhado com o ex-marido durante anos. Primeiro, para esticar a
convivência pela manhã. Depois, para preservar os necessários momentos entre nós
dois após os nossos três rebentos invadirem todos os espaços da casa.
Sinto falta de minha avó, de seus
conselhos, da forma como me olhava sabendo muito. Do jeito que me ensinou a
cozinhar, quase sem falar, apenas me deixando na cozinha a observar o modo como
preparava a comida. Até hoje não tenho nenhuma sofisticação no dia-a-dia. É feijão,
arroz, macarronada, bolos, pudins, fatias paridas, macaxeira, cuscuz,
escondidinho, no máximo arrumadinho e feijoada. Aprendi com ela, exceção da
última, ensinada no mínimo por três pessoas diferentes. Sim, arrisco outros
pratos, receitas de livros e internet, com bons resultados. Mas eles não me
foram ensinados. Não tem esse gostinho bom de vó.
Sinto falta de almas leves. Com
muitos sorrisos e olhos brilhantes. De confiança mútua, desejo de mudar,
segurança nas escolhas. Sinto falta de algumas amigas de riso solto e
escancarado. De aprender flamenco por três meses. De viagens prolongadas. Sinto
falta da cumplicidade de um palhaço alegre, companheiro de sonhos e que, ontem,
provocou da minha querida afilhada Bruna a declaração que dá título a esta
crônica: tem lágrima que cai pesando uma tonelada. Sim, menina. As lágrimas pesam e são enxurrada
quando a perda aperta e dá um nó.
Hoje caminhei por uma rua
tranquila, lembrando da forma como você falou de saudade. Uma foto e um
comentário. E me deparei com o rosto amado do nosso tio Ricardo. Cúmplice,
amigo, irmão. Compadre, éramos ambos seus padrinhos. E completamente derretidos
pela caçula (a última da família tinha sido eu, imagina você como fazia tempo).
Você nem sabe, mas a gente
inventou de tirar fotos suas no mesmo dia. Quando fui por o filme na
máquina, quase queimo o que ele já tinha colocado. E você estava linda.
Gorduchinha, risonha, babando o berço, tão cheia de dobrinhas e de molecagem,
que a gente se rendeu a esse aquecimento cardíaco chamado amor. Presente em
cada imagem registrada naquele dia. E em outros, minha querida.
Lembrava dele e me alegrava por
não sentir a perda como antes. Então pensei no quanto a gente tem de se
habituar às despedidas que a vida traz. Às ausências de quem não está por perto
para acompanhar saltos arriscados ou passos miúdos. Durante um tempo meu riso
foi embaçado por essas lágrimas pesadas. Até o dia de ver um dia nublado e não
mais ficar triste. Porque a lembrança tornou-se leve. A presença impregnou
minha alma. Já não faço mais distinção. Para mim ele é, está, sou eu.
Ricardo foi o afeto canceriano
ligado à família e aos dramas e comédias de todos nós. Hoje deixo ele partir.
Com leveza. São 14 anos de ausência. E fomos
crescendo nesse tempo: eu, você, meus filhos.
Sabendo que os cafés da manhã podem ainda ser partilhados. Que os traços
ancestrais de minha avó estão na paciência e na impaciência minha de todo dia. Que
as pessoas precisam ir, ao morrer, ou porque tem outros projetos, amores, ideias.
Que tio Ricardo, afeto meu, está em todo sonho, conquista, sorriso ou palhaçada.
E em meu coração. Como você, minha flor primeira.
Carlota
03042013
Muito lindo!
ResponderExcluirE separar-se a gente já devia estar acostumado,né?Afinal a nossa separação mais dolorosa é da nossa mãe, as outras deveriam ser fichinha, né?!Mas, a gente sente, sente, chora, chora, aprende e se prepara para os próximos encontros e próximas despedidas. E a vida, é bonita, é bonita e é bonita!
Abraço!
Tô com tanta saudade de tu, tanta, tanta. Quero um café!
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