Comecei a caminhar devagar pelas ruas. Quase tateio a calçada com meus pés. Se vou à praia o cuidado é com o terreno arenoso. Se no campo, com as folhas derramadas de tantas árvores. Sigo lenta, buscando o equilíbrio, sentindo a firmeza ou encontrando antecipadamente aquele espaço vazio onde posso resvalar e cair.
Uma torção no pé direito me obriga a isso, a um excessivo cuidado com a forma como piso. A uma extrema consciência do entorno, não apenas feito ele de concreto e coisas, mas de pessoas que me olham e enxergam alguém que segue devagar. E observa.
Nessa fase, de começar lentamente porque não há como ir rápido, pelo menos por enquanto, estou retomando meus diálogos impossíveis. As longas conversas que eram pródigas quando caminhava com velocidade na beira-mar. Cerca de 50 minutos de reflexão em quatro quilômetros de calor e convivência pacífica com outras pessoas, nem sempre comigo.
Primeiro a desilusão com minhas férias. Dez dias com o pé imobilizado me obrigou a deixar as tarefas domésticas de lado, os planos de fazer pratos deliciosos para a família, as ruidosas saídas com minhas amigas, a dança a qual me entrego quando estou feliz. Foram dias em casa, ouvindo as conversas miúdas de meus filhos, suas brincadeiras, de ver a bagunça e tentar dar um jeito quando o pé melhorava.
Mas a dor me aguardava. Intensa, feroz, incômoda. Dessa vez, no ombro direito. Parecia apenas que eu havia dormido de mau jeito. Não. Meu corpo avisava da necessidade de parar. Parar totalmente. Não olhar email, não encostar no computador, não encadernar blocos, projetar layouts, aceitar convites de trabalho.
Não escrever. Como doeu tudo isso. Sentir-me incapaz, impotente e, ainda, sofrendo uma dor tão atroz que não conseguia dormir. Que me incapacitou temporariamente para qualquer raciocínio lógico. Que me fazia chorar silenciosamente porque um grito me tiraria o fôlego. Que me deixou dependente de minhas crianças e amigos.
A dor provocou mais. Me fez perceber o que todos que sofrem uma dor aguda observam. A desimportância de inúmeras coisas, ínfimas essas coisas, pequenas, quase manias. Perdi a vontade de reclamar da bagunça que as crianças naturalmente fazem. Elas, em suas brincadeiras, me deixavam descansar. Olhavam preocupadas as minhas lágrimas e me ajudavam no que era possível: vestir, pentear, arrumar minha cama. Meu filho mais velho me surpreendeu com sua delicadeza ao desembaraçar meus cachos. A mão suaveconduzia o pente com imenso cuidado, com medo de machucar.
Entreguei-me à generosidade desses cuidados, no aprendizado de aceitar ser cuidada. De também receber atenção. Minha amiga se dispunha a sair do trabalho para me levar às sessões de acupuntura. De me levar em casa quando a noite chegava. Meu ex-marido me surpreendeu lavando os pratos de dois dias, arrumando minha casa, fazendo compras, incentivando a quietude entre nossos filhos. Deu-me a atenção necessária para que eu me sentisse melhor. Em meio à dor, aprender a receber sem reciprocidade, apenas sendo grata, me fez refletir ainda mais.
Assim como o tratamento. No percurso inteiro, médicos, amigos, fisioterapeuta, acupunturista se revelaram pessoas extremamente gentis. E como, em um processo de dor aguda, é preciso gentileza. Aquele traço de humanidade que indica respeito pela dor alheia.
A acupuntura trouxe ganhos inesperados. As longas conversas que mantinha comigo enquanto era obrigada a ficar mais de 20 minutos imóvel, com o corpo permeado de finíssimas agulhas. De início apenas dor. Depois gratidão. No final, encontro. Encontrei a mim mesma naquelas 11 sessões. Era uma imersão em minha alma, me livrando de pesos que não precisavam estar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário