quinta-feira, 12 de março de 2015

Adeus e signo chinês

Eu ia caminhando pela rua com o sapato apertado e me perguntando por que danado eu tinha posto um salto daquele tamanho e na verdade nem era grande porque de verdade ele tem uns três centímetros, mas para andar mais de um quilômetro era alto demais nessas calçadas de cimento irregulares ou de faltosas pedras portuguesas.

Eu ia caminhando naquele sol quente e completamente lascada e com o coração apertado e uma ansiedade e uma boca seca que não era só do calor. Porque na mente uma pergunta se fazia o tempo todo e o corpo era contrição, era falta de espaço, era algo que caminhava à toa e com medo de ser assaltado porque de verdade não estava nem naquela rua, nem naquele dia. Porque voltava e ia. Porque me obrigava a ver além do presente momento, a deixar para trás um passado bem grande e aquele exato instante em que tudo ia ser uma merda, no qual levei um soco e era melhor deixar pra lá e não lembrar mais do que havia sido há tanto tempo atrás.

Porque a pergunta que se apertava em meu juízo era uma só. E pensando bem e por tudo o que já vivi nem era mais pergunta. Era uma declaração. “Fico pensando o tempo inteiro que não há coisa mais difícil no mundo do que dar adeus”. Então, não era declaração não. Era um outdoor estampado em letras garrafais, fonte helvetica bold condensada, entreletra -20, em preto sobre fundo amarelo para garantir a visibilidade. E garantir também a perpétua existência desse jeito estranho que eu tenho de me defender e de definir o momento do adeus.

Vai ser agora, enquanto continuo inteira. Vai ser agora, enquanto ainda durmo. Vai ser amanhã ou depois, nem sei, mas vai ser. Vai ser um dia em que eu lhe veja e converse e tome café e você não faça viagens para Constantinopla-Istambul. Vai ser quando eu esquecer daquele pingente ondulado que você traz no pescoço. Vai ser para esquecer o pingente que você traz. Vai ser para esquecer.

A coisa mais difícil do mundo é dar adeus. E eu juro, queria agora não. Queria conviver mais uns dois anos no mínimo. Queria ver você crescer e eu queria ir junto. Queria mapear todos os sorrisos de menino, me inspirar nesse cabelo grisalho, nesse jeito de dançar que me arrebatou milhares de vezes e mais umas cinco. Coisa difícil essa dar adeus a algo tão bom. Dar adeus a um cheiro, um jeito, uma forma de se expressar. Dar adeus a uma pessoa inteira, do mesmo signo chinês e ocidental. Muita parecença para quem quer ficar distante. Muita avidez e voragem e jeito de ver o mundo e vontades e encostamentos.

E quando durmo eu sonho com você. Com essa despedida que não rolou. Com essa última frase que não disse por ser impossível lhe ver. Não houve tempo. Porque lhe disse tanto e busquei tanto que no fim esse calor e o corpo encolhido e a mente turva e a sensação de não estar naquela rua e o sapato apertado e a freada brusca e o palavrão que eu disse e a exata sensação de que naquele dia foi o adeus e a gente nem sabia e a gente tão educado só se fala amenamente e não houve mais cafés, jacks nem uma dança pra lembrar desse encaixe de braços e ritmo que só quem nasce sob os mesmos signos pode ter.

Então que a coisa mais difícil do mundo é dar adeus. E crescer.

Carlota

12032015

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