terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Doce

Um casal de mãos dadas. Uma menina nos braços da mãe. Uma cacheada garota brincando com o cachorrinho. O jeito que você sorri.

O casal de mãos dadas traça um percurso igual quase todos os dias, duas pessoas que devem ter mais de 50 anos de partilha. Ele, um senhor grisalho e de óculos, me deseja bom dia. E eu retribuo com meu melhor sorriso, com minha vontade, com passos mais firmes, porque vejo que os deles são vagarosos, como se já nem tivessem pressa em cumprir a rotina de caminhar. Ela parece mais velha – terá sido a vida mais dura – ou mais frágil.

Quando não os vejo, me preocupo. Porque já lhes quero bem há muito. Pois ele também é adivinho, não disse? Há cerca de um ano deparou-se comigo quase em prantos, na volta de um exame que confirmou a lesão no meu ombro. E não é que me olhou bem fundo e disse: saúde, filha, saúde. No corpo e na alma. Como não melhorar depois disso? Eles não sabem, mas lhes tenho um afeto cheio de ternura, porque me acompanham em poesia.

Ela não tinha um ano. Para onde eu ia? Não lembro. Sei que estava em um ponto de ônibus e olhei ao redor. Vi uma jovem com uma menina nos braços. Chamou minha atenção e foi aumentando a doçura da tarde observar o encantamento da filha pela mãe. E não o contrário. Tocava o rosto, os brincos, os fios soltos do cabelo materno. E sorria. E puxava e ria de riso solto e alegre. E seu olho era um descobrimento, então é essa, minha mãe, e é linda, será que sou igual? E a mãe, entregue, não a largava do colo, cheia de cuidado mesmo na ameaça de ter seu brinco arrancado pelas mãos buliçosas.

Reduzo o ritmo da caminhada na praia e penso em como queria saber desenhar. Porque vi pai e mãe passeando cúmplices com a filha e o bichinho de estimação, um poodle tão cacheado quanto a menina que não parava nunca. Avançavam, voltavam e a brincadeira dela era deleite para os dois. Como descrever a roupa que não consegui desenhar? Era início de noite, beira-mar, um tanto de frio. Camisa branca de mangas compridas, camiseta rosa por cima, sainha, meias escorregadas pelos tornozelos, tênis. Só a vi de costas, de cachos negros, de felicidade.

Sorriso. Jeitinho enviezado esse de demonstrar alegria. Mas quando ele se abre, é menino. O olho brilha, perfeito. E recebo como presente raro.

Vou adoçando a alma, a vida. Porque ela se mostra como quem é tímida e se revela aos poucos. Como quem não quer dizer e diz. Como quem precisa ser descoberta. De pura beleza, de doçura, dias inteiros. As noites também.

Carlota
070212

4 comentários:

  1. Para e observar o mundo. Esta é uma prática que poucos exercitam. Quando a gente se dá o privilégio de fazê-lo descobre encantamento, eleva a alma, alegra o dia.....bjossss...Lindo!!!

    ResponderExcluir
  2. muito bom!As vezes eu observo tanto que me perco...é tudo de bom.
    abraço

    ResponderExcluir